segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Casamento dos Homossexuais

Na sexta-feira (10 de Outubro) foi votada no Parlamento a proposta do Bloco de Esquerda e d’Os Verdes sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A proposta foi chumbada com os votos contra do PSD, do CDS-PP e do PS, com este último a impor a disciplina de voto. Segundo o PS, o chumbo não foi contra o diploma, mas antes, contra o “oportunismo político” dos partidos proponentes. Além disso, o PS defende que este tema nunca esteve previsto na actual legislatura, não sendo por isso prioritário.

Esta praxis, é a meu ver uma subversão do sistema democrático. Para o bem ou para o mal, os deputados devem votar de acordo com a sua consciência, de acordo com as suas convicções e, acima de tudo, devem defender os seus eleitores. Ora, se os votos estão sujeitos às deliberações dos líderes parlamentares, então para que servem os actuais 230 deputados na Assembleia da República? Independentemente do conteúdo da proposta, esta imposição de voto é a meu ver um erro grosseiro e lesa a própria liberdade. Queremos deputados livres e responsáveis ou cães amestrados? Os problemas ou anseios mesmo que mais comezinhos para uns, podem afectar a vida de outros, e por essa razão não devem ser espoliados de debate. Se os partidos têm assento no Parlamento é porque foram eleitos. O Bloco de Esquerda e Os Verdes apenas defendem os interesses e a confiança dos seus eleitores, e não se lhes pode criticar por isso, independentemente das convicções de cada um. Por isso, cada voto deve ser o resultado duma consciência livre e séria.

A luta contra a discriminação sexual e as reivindicações dos homossexuais no reconhecimento de direitos fundamentais parece-me totalmente justa. No entanto, baterem-se pelo «casamento» é uma falsa questão e, nalguns casos revela mesmo uma enorme imbecilidade e nada tem que ver com direitos.

Confesso a minha perplexidade quando Manuela Ferreira Leite numa entrevista afirmou que o fundamento do casamento era a procriação. Porém, realmente néscias foram as críticas dos adversários políticos e de alguns correligionários às suas declarações heréticas. Obviamente que Manuela Ferreira Leite foi «politicamente incorrecta» e politicamente inábil na afirmação que proferiu. Mas não terá ela no fundo razão? E se resposta fosse inversa? Se a afirmação fosse a de que o casamento não tem nenhum fundamento de procriação, nem tão-pouco há qualquer relação entre casamento e reprodução? Não seria essa, uma resposta obtusa?

Claro que nem todos os casais heterossexuais têm filhos. Uns porque não querem, outros porque não podem, cada um terá os seus motivos. Mas a verdade é que a grande maioria tem-nos, e ainda bem, porque são os núcleos familiares fecundos que permitem a continuidade da nossa espécie. Por isso, o Estado incentiva o casamento heterossexual ou tradicional, consagrando na ordem jurídica direitos que não fazem nenhum sentido aos homossexuais, como por exemplo os abonos de família, paternidade, maternidade…

A homossexualidade é tão antiga como a Humanidade e em Portugal o casal composto por pessoas do mesmo sexo tornou-se uma banalidade. Os que defendem com tanta pertinácia o «casamento» entre homossexuais, são os mesmos que durante anos a fio satirizaram e ridicularizaram o casamento tradicional. Segundo «eles», era uma instituição conservadora, imutável, obsoleta e em declínio, o que faz uma certa confusão! Se assim é, então porquê casar?

Esta proposta é um capricho, é uma luta político-ideológica e nada tem a ver com a luta por direitos. Desde 2001 com a aprovação da Lei 7/2001 – União de Facto – os direitos dos homossexuais estão devidamente acautelados na ordem jurídica sem haver necessidade de «casamento».

Os que defendem o «casamento» homossexual usam a analogia torpe do apartheid. Ora, o apartheid foi uma vil classificação de raças baseadas no esclavagismo, foi a afirmação que havia raças de primeira e outras de segunda, e isto, à luz de hoje é intolerável. Mas as diferenças de géneros existem, e ainda bem, senão isto seria um aborrecimento. Discriminar é permitir que as diferenças entre géneros coíbam o acesso aos mesmos direitos e à igualdade perante a lei. Outra coisa completamente diferente é tornar igual o que é diferente. Há diferenças biológicas entre géneros. O casamento civil tem as suas especificações e os seus formalismos e não impede somente os homossexuais. Impede também, por exemplo: o casamento entre pais e filhos, entre irmãos, entre pessoas com idades inferiores a 16 anos, a poligamia, será isto, também discriminação?

É tão ridículo a investida dos homossexuais no «casamento», como uma mulher reivindicar o acesso aos urinóis públicos dos WC masculinos.

Esta proposta não é progressista nem liberal, é simplesmente absurda. Tenham juízo e deixem-se de mariquices.

Adopta medidas de protecção das uniões de facto.
A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, para valer como lei geral da República, o seguinte:

Artigo 1.º Objecto
  1. A presente lei regula a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há mais de dois anos.
  2. Nenhuma norma da presente lei prejudica a aplicação de qualquer outra disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de uniões de facto ou de situações de economia comum.
Artigo 2.º Excepções

São impeditivos dos efeitos jurídicos decorrentes da presente lei:
  1. Idade inferior a 16 anos;
  2. Demência notória, mesmo nos intervalos lúcidos, e interdição ou inabilitação por anomalia psíquica;
  3. Casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens;
  4. Parentesco na linha recta ou no 2.º grau da linha colateral ou afinidade na linha recta;
  5. Condenação anterior de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio doloso ainda que não consumado contra o cônjuge do outro.

Artigo 3.º Efeitos

As pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a:

  1. Protecção da casa de morada de família, nos termos da presente lei;
  2. Beneficiar de regime jurídico de férias, faltas, licenças e preferência na colocação dos funcionários da Administração Pública equiparado ao dos cônjuges, nos termos da presente lei;
  3. Beneficiar de regime jurídico das férias, feriados e faltas, aplicado por efeito de contrato individual de trabalho, equiparado ao dos cônjuges, nos termos da lei;
  4. Aplicação do regime do imposto de rendimento das pessoas singulares nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens;
  5. Protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei;
  6. Prestação por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, nos termos da lei;
  7. Pensão de preço de sangue e por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País, nos termos da lei.
Artigo 4.º Casa de morada de família e residência comum
  1. Em caso de morte do membro da união de facto proprietário da casa de morada comum, o membro sobrevivo tem direito real de habitação, pelo prazo de cinco anos, sobre a mesma, e, no mesmo prazo, direito de preferência na sua venda.
  2. O disposto no número anterior não se aplica caso ao falecido sobrevivam descendentes com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivessem há mais de um ano e pretendam habitar a casa, ou no caso de disposição testamentária em contrário.
  3. Em caso de separação, pode ser acordada entre os interessados a transmissão do arrendamento em termos idênticos aos previstos no n.º 1 do artigo 84.º do Regime do Arrendamento Urbano.
  4. O disposto no artigo 1793.º do Código Civil e no n.º 2 do artigo 84.º do Regime do Arrendamento Urbano é aplicável à união de facto se o tribunal entender que tal é necessário, designadamente tendo em conta, consoante os casos, o interesse dos filhos ou do membro sobrevivo.
Artigo 5.º Transmissão do arrendamento por morte
O artigo 85.º do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, que aprova o Regime do Arrendamento Urbano, passa a ter a seguinte redacção:

c) Pessoa que com ele viva em união de facto há mais de dois anos, quando o arrendatário não seja casado ou esteja separado judicialmente de pessoas e bens;
d) [Anterior alínea c).]
e) [Anterior alínea d).]
2 - Caso ao arrendatário não sobrevivam pessoas na situação prevista na alínea b) do n.º 1, ou estas não pretendam a transmissão, é equiparada ao cônjuge a pessoa que com ele vivesse em união de facto.

Artigo 6.º Regime de acesso às prestações por morte
  1. Beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, no caso de uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes no artigo 2020.º do Código Civil, decorrendo a acção perante os tribunais cíveis.
  2. Em caso de inexistência ou insuficiência de bens da herança, ou nos casos referidos no número anterior, o direito às prestações efectiva-se mediante acção proposta contra a instituição competente para a respectiva atribuição.
Artigo 7.º Adopção

Nos termos do actual regime de adopção, constante do livro IV, título IV, do Código Civil, é reconhecido às pessoas de sexo diferente que vivam em união de facto nos termos da presente lei o direito de adopção em condições análogas às previstas no artigo 1979.º do Código Civil, sem prejuízo das disposições legais respeitantes à adopção por pessoas não casadas.

Artigo 8.º Dissolução da união de facto
  1. Para efeitos da presente lei, a união de facto dissolve-se:
    a) Com o falecimento de um dos membros;
    b) Por vontade de um dos seus membros;
    c) Com o casamento de um dos membros.
  2. A dissolução prevista na alínea b) do número anterior apenas terá de ser judicialmente declarada quando se pretendam fazer valer direitos da mesma, dependentes a proferir na acção onde os direitos reclamados são exercidos, ou em acção que siga o regime processual das acções de estado.
Artigo 9.º Regulamentação

O Governo publicará no prazo de 90 dias os diplomas regulamentares das normas da presente lei que de tal careçam.

Artigo 10.º Revogação

É revogada a Lei n.º 135/99, de 28 de Agosto.

Artigo 11.º Entrada em vigor

Os preceitos da presente lei com repercussão orçamental produzem efeitos com a lei do Orçamento do Estado posterior à sua entrada em vigor.

Quo quisque stultior eo magis insolescit [Robert] – Quanto mais obtuso alguém é tanto mais arrogante fica.

Lisboa, 10 de Outubro de 2008

O mecânico economista

Numa época em que por aí andam tantos economistas que deviam ser mecânicos, logo vou tropeçar num inspector mecânico que devia ser economista.

No Sábado passado, levei o carro da minha mulher ao centro de inspecções da Maia para a respectiva inspecção automóvel obrigatória. Enquanto esperava pelo comprovativo do pagamento multibanco dos 27€, em tom de brincadeira, disse ao inspector mecânico que se devia poder deduzir a factura no IRS. Respondeu-me de imediato que essa era exactamente a medida que o Governo devia adoptar no combate à fraude fiscal. E foi mais longe: para o cálculo do IRS, devia ser permitido calcular todas as facturas de tudo quanto se gastasse durante o ano.
De inicio, achei a resposta irreflectida, para não dizer disparatada. E ele continuou: «amigo, não se ria porque é verdade! Se os Portugueses pedissem sempre factura de tudo quanto compram, as empresas não podiam fugir aos impostos como fogem actualmente, principalmente o ramo da restauração. Já reparou? Há muitas empresas que não passam factura, acha que vão pagar imposto sobre esses montantes? Claro que não! E diga-me lá, porque motivo hão-de as pessoas de pedir sempre factura se não lhes servem para nada? Você quando compra um gelado pede factura?»

Pois, eu julgo, que o mecânico é bem capaz de ter razão no que diz. Mas como é que nunca ninguém pensou nisto?

Lisboa, 09 de Outubro de 2008

A arbitrariedade das 3200 casas na CML

É assombroso o mais recente escândalo político na CML – Câmara Municipal Lisboa –, onde veio a público a notícia da atribuição discricionária de 3200 casas aos apêndices do poder político como: artistas, jornalistas, escritores, funcionários, amigos e filhos dos funcionários, etc. Apesar de não ser uma novidade na nata municipal lisboeta, não deixa de ser vergonhoso a forma como alguns dos beneficiários se justificaram perante a opinião pública.
A vereadora da habitação, que beneficiou da atribuição de casa pela CML não se sente diminuída na sua actual função (responsável pelo pelouro); um director de serviços da CML foi-lhe atribuída uma casa quando se divorciou, agora, que está novamente casado e tem outra residência, mantém a casa para salvaguardar o seu futuro – não vá os amores trazer-lhe dissabores. Enfim, há centenas de sanguessugas despudoradas embutidas no sistema autárquico que têm benesses à conta do erário público. Há muito tempo que o Pacheco Pereira vem denunciando pequenos grandes poderes nas entranhas dos partidos a nível regional e municipal.

Afinal, para que serve o pecúlio de 3200 casas na posse da CML se não for para beneficência? O ano passado, critiquei firmemente a posição de António Costa quando este ameaçou bater com a porta caso não fosse aprovado um empréstimo de 500 milhões de euros, aliás, escrevi uma crónica «Chantagem na Câmara Municipal de Lisboa», em que defendi a alienação de património. Achei uma prosápia a posição do Zé Sá Fernandes a denunciar a desgraça caso o empréstimo não fosse aprovado.

Não deixa de ser surpreende o mutismo do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português em relação a este escândalo. Zé Sá Fernandes andou aos urros na comunicação social como um fanático sobre as obras do túnel do Marquês. Apenas descansou quando conseguiu embargar a obra, uma brincadeira que custou aos lisboetas quase 5 milhões de euros. E agora? Por onde andas tu Zé?
Mas, a verdade é esta: se a CML vendesse este património que apenas se destina ao préstimo de favores, em troca de outros benefícios renderia no mínimo a preço de saldo, cerca 400 milhões de euros. Seria mesmo necessário o tal empréstimo?

Mas o caso que deu mais bramido foi o do escritor e jornalista Baptista Bastos (BB). Após 32 anos a viver em péssimas condições em Alfama, pois chovia dentro de casa, e estando desempregado – exploração capitalista –, conseguiu um insignificante favor do poder autárquico para uma “casinha” com melhores condições. Como pode um escritor estar desempregado, quando editou obras nos anos de 1962, 1963, 1965, 1969, 1969, 1972, 1974, 1977, 1981, 1981, 1984, 1987, 1991, 1995, 1999, 2000, 2001, 2002, 2007, 2008? Baptista Bastos é dos jornalistas mais exasperados quando alude à ética, moral, liberdade e isenção na sua crónica habitual à quarta-feira no Diário de Notícias. É o evangelizador do pudor na praça pública. Como é possível justificar-se no «tribunal» onde é juiz, de que não fez nada de ilegal? Claro que não fez nada de ilegal, mas deve favores ao poder político. Beneficiou de uma casa sem estar sujeita a concurso público e, por isso, interdito ao comum dos cidadãos. Como pode pois ser livre?

É caso para questionar o Baptista Bastos: onde vivias tu no 25 de Abril?

Ubi nullus pudor, ibi nulla honestas – Onde não há nenhum pudor, não há nenhuma dignidade.

Lisboa, 07 de Outubro de 2008

Insegurança ou sofisma?

No debate quinzenal da passada quarta-feira o tema da insegurança voltou a ser debatido com toda obstinação na Assembleia da República. Este ano quer me parecer que a duração da Silly Season é mais duradoira.

Durante o Verão que agora findou, Portugal atravessou um período agitado no que à segurança dos cidadãos – ou falta dela – diz respeito. Somos diariamente emprenhados por notícias de assaltos à mão armada a bancos, gasolineiras, carjacking, rixas entre diferentes raças, assassinatos sumários, etc. Pela avaliação do que tem sido noticiado o país esteve (está!) à beira do caos, será verdade?

Todos nós somos objecto de manipulação dos órgãos de informação, os mídia pervertem a informação para manipular as massas, mesmo que inadvertidamente, mas é assim. Nem mesmo os que se advogam “intelectuais” se livram deste anátema. Eu não sou jornalista, mas é evidente que o paradigma de informação tem vindo ao longo dos tempos a ser adulterada, o que ontem era notícia, hoje já não é: um bom exemplo tem sido a troca de argumentos do que é serviço público ou não. Discussão essa que continua sem conclusão. A disputa pelas audiências entre vários órgãos de informação, mesmo nos noticiários, levou à mediatização da informação, ao espectáculo – notícia.

Atiram-se notícias para primeiras páginas de jornais e aberturas de noticiários de acontecimentos comezinhos: «assaltaram um velhote à saída de um banco, o larápio roubou 300 € e pôs-se em fuga…»; «tentaram assaltar uma gasolineira no cú de Judas…»; etc.,. Há uns anos atrás, aliás, ainda hoje, qualquer pessoa que leia o «Correio da Manhã» por exemplo, verifica diariamente este tipo de notícias, sempre foi assim.

A novidade não é a notícia, a novidade é em que espaço e por quem é noticiada. Há uns anos atrás havia vários tipos de jornais: o «Correio da Manhã» era o jornal do povo, das massas; o «Crime» e o «24 horas» eram a literatura dos saloios; o «Diário Noticias» para o pseudo-burguês; e alguns jornais de referência que fugiam um pouco à banalidade da mediatização como o «Expresso», ou o «Público», mais idóneos. Acontece porém, que estes últimos passaram a editar as notícias de «24 horas» e «Correio da Manhã», o mesmo se passa nas rádios e nas televisões: no fundo é uma luta desenfreada na captação de público. Não quero com isto negar que não haja violência, nada disso. É claro que há, sempre houve e sempre há-de haver.

O caso da Madeleine McCann é um bom exemplo da manipulação da informação, da procura da notícia a fim de sustentar um espectáculo. Durante as semanas seguintes toda a informação – que é diferente de notícia – relacionada com raptos ou desaparecimento de crianças, enchiam imediatamente sem critério, as aberturas dos telejornais. Deixou de haver raptos?

Outro caso mais recente. O acto de indisciplina de uma aluna na escola secundária Carolina Michaelis no Porto, em que arrebatou à força o telemóvel confiscado pela sua professora. Durante semanas a fio não havia um só único dia em que não surgissem notícias de actos de violência, indisciplina nas escolas. E agora? Os alunos das nossas escolas passaram de selvagens a imaculados? Já mão há casos de indisciplina nas escolas?

Se é verdade que a criminalidade aumentou em relação ao ano passado, também não deixa de ser verdade que os dados do ano passado foram os mais baixos dos últimos sete anos. Se há funções inalienáveis por parte de um Estado é a segurança. A segurança é um dos pilares dos estados modernos. O passado mostra-nos como a insegurança pode levar a convulsões gravíssimas e incontroláveis. A insegurança não vem da rua, vem dos sofismas da informação.

Quid portas novi? [Séneca] – Que notícias trazes?

Sintra, 25 de Setembro de 2008

Cooperação estratégica

Desde as últimas eleições presidenciais ganhas por Cavaco Silva em 2006 que se vulgarizou a expressão «Cooperação Estratégica» do Presidente da República em relação ao Governo. Aliás, esta frase é da autoria do próprio Cavaco Silva e foi uma bandeira na sua campanha eleitoral de 2006.

Publiquei a crónica «Divórcio entre Cavaco e Sócrates», em que comentei o absurdo que enchia blogues, jornais e noticiários sobre o «casamento de Sócrates com Cavaco», e a sua sintonia política com o Governo. Os visionários cronistas propagavam que havia uma liderança bicéfala; que Cavaco Silva poderia ter a veleidade de subverter o regime político, por ser um tecnocrata, não se limitaria a presidir, mas antes a governar o país em convénio com José Sócrates.
Mais de um ano sobre o vento do “casamento”; vem agora anunciado pelos mesmos eruditos o agoiro do “divórcio”. A «Cooperação Estratégica» corre perigo de fenecer a curto prazo, provocando uma crise institucional entre Cavaco e Sócrates.
Mas, afinal o que significa «Cooperação Estratégica»?
Esta expressão significa simplesmente que Cavaco Silva não vai exercer o seu cargo e os poderes que a Constituição da República lhe consagra para fazer oposição ao Governo. A oposição ao Governo tem de ser exercida no hemiciclo da Assembleia da Republica através dos partidos da oposição. Quem não se lembra da tenaz oposição preconizada por Mário Soares, então Presidente da República, a Cavaco Silva durante os dez anos em que exerceu o cargo de primeiro-ministro? No consulado da presidência de Mário Soares, quem não se recorda das presidências abertas, do “direito à indignação”, das suas criticas em relação ao Partido Socialista por ser brando na oposição? Se calhar alguns já se não recordam da expressão “forças de bloqueio”, proferidas por Cavaco Silva em relação a Mário Soares. Portanto, desenganem-se aqueles que julgam que Cavaco vai obstruir a acção do Governo; o que não é o mesmo de vetar todos os diplomas. Cavaco veta e promulga não contra o Governo, não contra ou a favor de Sócrates mas, para o melhor modelo de desenvolvimento da sociedade, segundo as suas convicções.

Os nossos eruditos comentadores acharam logo uma explicação muito mais ilustre. Ora, como as idiossincrasias de Cavaco e Sócrates são idênticas, há dois cenários possíveis: ou Cavaco tentaria governar o país através dos seus poderes presidenciais; ou estaria totalmente de acordo com as políticas reformistas do Governo dando todo o seu apoio institucional. Quando me refiro aos comentadores da praça, refiro-me também a uma espécie de políticos que tiveram ou continuam a ter ambições políticas, portanto, deveriam ser mais diligentes nas suas análises, algumas bem-intencionadas não duvido. Mas, com um conhecimento político – histórico muito superficial. Talvez a cegueira das orientações da cúpula dos partidos turvem a visão do que está mais além, ou então não percebem nada de política, o que é mais preocupante.

Num país tão pequeno como o nosso, todos nós não somos demais para levar avante os novos desafios que um mundo cada vez mais globalizado nos coloca.
Se a religião é o ópio do povo como enfatizou Karl Marx em 1848, as doutrinas de alguns partidos são o ópio dos pseudo-intelectuais.

Frustra legit, qui non intellegit – Lê em vão quem não compreende.

Lisboa, 19 de Setembro de 2008

O paradoxo da Selecção Nacional

A Selecção Nacional iniciou um novo ciclo com a contratação de Carlos Queiroz, e tem um longo caminho para calcorrear até atingir – mínimo exigível – a qualificação para o próximo mundial 2010 que se realiza na África do Sul. As diferenças em relação ao seu antecessor são evidentes. Desde logo, perfilhou o mérito como condição sine qua non para a convocação dos jogadores ao pináculo do futebol nacional; de seguida, e com pouco tempo de trabalho à frente da Selecção Nacional, pôs a equipa a jogar um futebol atractivo, alegre e empolgante. Apesar disso, no segundo jogo da fase de qualificação para o mundial, Portugal perdeu 2-3 no estádio Alvalade XXI contra a Dinamarca – já vai o tempo em que eram altos, loiros e toscos os dinamarqueses.

Afinal não é esse o desígnio do futebol? O espectáculo, o divertimento?

As críticas foram mais que muitas, a comparação do presente com o passado recente foi inevitável, a escolha dos jogadores foi severamente contestada.

Claro que a mediatização e a indústria do futebol subverte a própria essência do jogo. O futebol é um fenómeno que se desenvolveu – e continua a desenvolver – uma enorme energia popular, parece ter vindo preencher um vazio aberto na sociedade, em parte, pelo abandono das religiões de vastas camadas da população urbana. Apesar de o futebol não ter qualquer doutrina, nem tão-pouco dar qualquer «sentido à vida», liberta o ser humano de um quotidiano que por vezes é pesado e triste. Por isso percebe-se a frustração que se instalou na alma lusa.

Mas não é caso para tanto. Estou convencido que Portugal vai estar presente no próximo mundial, e que a fase de qualificação vai ser superada pelo brio, competência e criatividade dos nossos jogadores.

Portugal perdeu contra a Dinamarca, é certo, mas assistimos a um verdadeiro espectáculo de futebol, e sublinho espectáculo na etimologia da palavra. Por isso, não trocava de forma nenhuma esta derrota, por algumas vitórias insípidas na era de Scolari. A vida está para além do rectângulo verde.

Facti lumina crimen habent – Os olhos é que têm culpa do que aconteceu.

Lisboa, 12 de Setembro de 2008

A Batalha de Aljubarrota

Faz hoje precisamente 623 anos que ocorreu a Batalha de Aljubarrota entre a zona de Leiria e Alcobaça, em que pôs frente-a-frente as tropas portuguesas chefiadas por Dom João I e o Condestável Dom Nuno Álvares Pereira, contra as tropas castelhanas. Segundo a crónica de Fernão Lopes a batalha começou à “hora de véspera”, isto significa depois das 18:00 horas do dia 14 de Agosto de 1385. Estou convencido que não há ninguém que nunca tenha ouvido falar desta célebre batalha.

A Batalha de Aljubarrota pôs termo à Crise de 1383-1385, e representa uma linha entre dois tempos completamente distintos, para trás ficou a época gótica e medieval, e Portugal entrou numa nova era: na época pré - renascentista, na hora Atlântica, instalando-se uma monarquia insigne em Portugal, a «Ínclita Geração». O grande escritor Luís de Camões dedica uma estrofe em «Os Lusíadas» ao rei Dom Fernando, escreve ele: “O fraco Rei faz fraca a sua forte gente…”. Na verdade o rei Dom Fernando foi um monarca bastante desastroso e com pouca virtude na arte de governar o país, Envolveu-se em três guerras com Castela e foram três autênticos desastres, Portugal ficou com a frota naval totalmente destruída. Entretanto a “Guerra dos Cem Anos” entre a França e a Inglaterra grassava por toda a Europa. A paz entre Portugal e Castela foi assinada praticamente nas condições impostas pelo rei castelhano – o Henrique II – em 1371 no Tratado de Alcoutim. Nesse tratado, entre várias cláusulas, o rei de Portugal comprometeu-se perante Henrique II a ser amigo do rei de França Carlos V, enquanto este fosse amigo daquele e, para garantia desse tratado obrigou-se a casar com a infanta de Castela D. Leonor filha do rei e irmã do futuro monarca Dom Juan I. Enquanto se faziam os preparativos para o casamento com a infanta, chegam à corte dois embaixadores vindos de Londres, do Duque de Lencastre, com uma proposta: Dom Fernando anulava o tratado de Alcoutim, não se casando com a infanta e deixava de ser amigo do rei de França. Em troca os ingleses ajudavam os portugueses na luta contra Castela e o próprio rei de Inglaterra Ricardo II vinha disputar o trono castelhano, e os portugueses só tinham a ganhar com isso. Um desses embaixadores era um galego muito arguto de seu nome João Fernandes Andeiro, mais conhecido pelo Conde Andeiro. O rei Dom Fernando aceita a proposta, muda de posição e, é quando se apaixona perdidamente por uma jovem lindíssima e de família ilustre: Leonor Teles de Menezes – tal como a infanta de Castela também é Leonor. Casaram e tiveram apenas uma filha, a Dona Beatriz. A crise de 1383-1385 surge no momento da morte do rei Dom Fernando em 1383. Com a morte do rei seria a filha a herdar o trono assim que atingisse a idade de 14 anos, até lá, a regência ficaria a cargo da rainha Leonor Teles de Menezes e, para ajudar na governação ela chama para junto de si o Conde Andeiro. O povo e a nobreza não aceitaram esta posição e houve uma enorme sublevação popular.

A rainha Leonor Teles de Menezes casou a sua filha infanta Beatriz de 11 anos com o rei de Castela Dom Juan I – subira ao trono em 1379 – e pede-lhe ajuda para subjugar a ira popular. É para defender os direitos da sua esposa que o rei Dom Juan I invade Portugal, a pedido da rainha Leonor Teles de Menezes. Portugal corria perigo de perder a sua independência para Castela, é então que o Mestre de Avis mata o Conde Andeiro – amante da rainha – e foi aclamado pelo povo como "Regedor e Defensor do reino". No dia 6 de Abril de 1385, nas Cortes de Coimbra o mestre de Avis foi proclamado então Rei de Portugal e dos Algarves e nomeia Dom Nuno Álvares Pereira Condestável, isto é, comandante supremo do exército português. Envia um embaixador a Inglaterra para obter o reconhecimento como Rei e, também para pedir auxilio militar do rei de Inglaterra e do Duque de Lencastre. Entretanto ocorrem várias batalhas entre 1383 até à Batalha de Aljubarrota, assim como, houve um cerco feroz castelhano à cidade de Lisboa que só foi interrompido por causa da Peste Negra, dizem os cronistas que morriam diariamente cerca de 200 castelhanos. A Batalha de Aljubarrota tem sido invocada ao longo dos séculos como um feito extraordinário e de grande glória. Normalmente o que se conta é que um exército português de 6.000 homens venceu um exército castelhano de 25.000, devo dizer que este número parece-me bastante exagerado, até porque, já li algumas crónicas em que os castelhanos tinham 20.000 homens e os portugueses 8.000, uma diferença de 19.000 para 12.000 parece-me bastante significativa e pode fazer toda a diferença. Seja como for, o que normalmente se conta é que Dom Nuno Álvares Pereira, que era um estudioso na arte militar, montou uma técnica denominada o “quadrado”.

Os castelhanos furaram a vanguarda, os portugueses fecharam o quadrado cercando os castelhanos que ficaram no seu interior e com a ajuda dos arqueiros ingleses que se encontravam nas alas os portugueses derrotaram os castelhanos. Esta é a versão de Fernão Lopes. Mas há uma outra versão, relatada por um dos maiores cronistas da Europa na época medieval, e que era vivo ao tempo da Batalha, o francês Jean Froissart. O local da Batalha foi estrategicamente escolhido pelo Condestável Dom Nuno Álvares Pereira, anuindo aos conselhos dos Aliados ingleses. Ao invés de darem batalha em campo aberto ficando assim em desvantagem, escolheram um local arborizado para se poderem fortificar e ganhar algum ascendente sobre o inimigo. Assim foi, escolheram o local de Aljubarrota, por que o Mosteiro de Alcobaça funcionava como praça-forte e permitia sempre um refúgio caso houvesse necessidade. Cortaram algumas árvores em redor do campo e, dispuseram-nas atravessadas para que não se pudesse cavalgar, para além disso, colocaram inúmeras armadilhas como fossos, covas-de-lobo, etc. A ladear o campo estavam os arqueiros ingleses.

A hoste castelhana que tinha vindo de Coimbra com destino a Lisboa, ia pernoitar perto do local da batalha, como eram muito numerosos a deslocação era bastante lenta e cansativa. Na hoste castelhana as opiniões dividiam-se. Os castelhanos ponderavam que, até atingirem o lugar onde estavam os portugueses e darem batalha se fazia noite, devendo por isso, repousar e esperar pelo dia seguinte porque, os portugueses não tinham por onde fugir. Mas, os franceses consideraram esse adiamento como uma cobardia e exigiram por parte do Rei de Castela que lhes dessem a honra de serem eles os primeiros a atacar. E assim foi, os franceses romperam a vanguarda, viram-se cercados, os cavalos caíam nas armadilhas, muitos morriam e, quem vinha atrás tropeçavam nos da frente, inclusivamente houve muitos franceses que morreram esmagados e não em combate. Entretanto os franceses renderam-se e ficaram na posse dos portugueses mais 1.000 prisioneiros. Estavam todos contentes, alguns começaram a negociar o resgate, cada fidalgo francês valia uma pequena fortuna, estavam todos ricos.

O Condestável enviou alguns cavaleiros dar a volta às redondezas e chegaram com a terrível noticia, que o maior contingente estava a dirigir-se para o campo de batalha e que esta não tinha acabado, aliás, ia agora começar. Por sugestão de alguns ingleses e fidalgos portugueses, decidiu-se como repressão degolar todos os prisioneiros, talvez seja essa a razão, por que em Aljubarrota houve um número tão elevado de mortos, não era costume nas batalhas medievais morrerem tanta gente numa só batalha. Os castelhanos propuseram ao Rei responderem no dia seguinte mas, irado ao ver que os seus aliados franceses tinham sido capturados avançaram para a batalha ao lusco-fusco, cansados, famintos e totalmente desmoralizados, é possível que alguns tivessem recusado lutar. Era já Sol-posto, quando muitos castelhanos começaram a debanda do campo de batalha, uns punham as vestes do avesso para não serem reconhecidos pelas populações, outros foram mortos às mãos de populares – vem desta fuga a lenda da Padeira de Aljubarrota que matou com uma pá sete castelhanos. Ainda houve um desentendimento com o Rei Dom João I de Portugal e alguns fidalgos ingleses, estes queriam dar perseguição e resgatar o Rei castelhano. Diziam eles que não tinham vindo de Inglaterra sem que pudessem apresentar ao seu monarca grandes feitos de valentia e honra. Ao que Dom João I respondeu: “Podeis dar graças a Deus por esta vitória. Quem tudo quer tudo perde…”, o Rei fez valer a sua vontade, pois, percebeu que os castelhanos ainda eram muito fortes. Os portugueses venceram os castelhanos, os ingleses venceram os franceses e, a paz ibérica foi assinada no ano de 1411 em Ayllón.

A glória portuguesa que tem ecoado ao longo dos séculos, oculta a ignomínia da carnificina perpetrada sobre os fidalgos franceses e que provocou um enorme luto em Castela e em França e, de certa maneira não honrou nem prestigiou o código dos cavaleiros e dos guerreiros daquele tempo.

Ergo fortuna, ut saepe aliás, virtutem est secuta [Tito Lívio] – Também a sorte, como muitas outras vezes, acompanhou a coragem.

Lisboa, 14 de Agosto de 2008

A vergonha do nosso futebol

O F.C. Porto está impedido de participar na próxima edição da Liga dos Campeões Europeus por ter sido condenado com a subtracção de seis pontos na época que findou. Foi condenado no processo “Apito Dourado” que desembocou no “Apito Final”, por tentativa de corrupção em dois jogos referentes à época de 2002/2003, curiosamente, uma época em que o F.C. Porto foi campeão Europeu, vencendo a Liga dos Campeões e campeão de Portugal. Para além destes feitos, a selecção portuguesa chegou à final do Euro 2004 com a espinha dorsal da equipa do F.C. Porto: Ricardo Carvalho, Nuno Valente, Paulo Ferreira, Costinha, Maniche, Deco.

O que passa para a opinião pública é que o nosso futebol é um jogo de mentira, onde grassa a promiscuidade entre os dirigentes, os árbitros, os empresários e o poder político – quer ao nível do poder local, quer ao nível do poder central.

Quando um presidente da Liga de Clubes – Valentim Loureiro – não tem qualquer pudor em falar regularmente com árbitros e em manter contactos telefónicos recorrentes com os mesmos; quando um presidente de um clube paga viagens a árbitros e, recebe-os na sua residência pessoal em vésperas de jogo; quando os dirigentes se acusam mutuamente de tudo e mais alguma coisa; quando um presidente – Luís Filipe Vieira – aproveita o despeito de uma prostituta para atacar o seu rival – dissimulando assim, a sua incompetência para dirigir um clube; quando um presidente de um clube – Luís Filipe Vieira – é apanhado em escutas telefónicas a pedir os seus árbitros ao presidente da Liga de Clubes e, que não tem vergonha de reclamar a verdade desportiva e reivindicar a ética; é porque realmente o nosso futebol está doente e é uma vergonha.

O F.C. Porto e o seu presidente Pinto da Costa sentem-se injuriados com os processos “Apito Dourado e Final”, o que é preocupante é que têm razão. O que condenou o F.C. Porto foram comportamentos costumeiros no seio do futebol e, que os outros também o fazem. Desde o futebol amador até ao mais alto nível. E, neste particular a indignação dos dirigentes portistas é compreensível.

Pinto da Costa fez do F.C. Porto um clube respeitado na Europa e no Mundo mas, internamente acirrou sempre uma guerra entre Norte e Sul, fez do Sul – e do Benfica em particular – não um adversário, mas um inimigo. Por isso, exalta tantos ódios nos seus adversários/inimigos por um lado. Mas consegue um endeusamento nos seus correligionários e adeptos por outro. Por isso Pinto da Costa é sempre o mais visado, não por ser o pior – se calhar até nem o é – mas por ganhar mais vezes.

Uma coisa é certa: o F.C. Porto é muito maior que Pinto Costa e, o Luís Filipe Vieira é insignificante comparativamente à grandeza do Benfica.

PS – O Estado não deve iludir-se que o futebol se auto-regula. É premente que os órgãos de disciplina e os árbitros sejam tutelados por órgãos externos aos clubes. Só assim, é possível curar o nosso futebol.

Cavendum est ne maior poena quam culpa sit [Cícero] – Deve-se tomar cuidado para que a pena não seja maior do que o crime.

Lisboa, 09 de Junho de 2008

Redução do IVA

O Governo anunciou a decisão de reduzir 1% do IVA – 21% para 20% – a partir do dia 1 de Julho de 2008. Durão Barroso quando chegou ao Governo em 2002 aumentou o IVA em 2% – 17% para 19% – e, José Sócrates em 2005 fez exactamente o mesmo, aplicou-lhe novamente um aumento de 2%, passando então para os 21%. Isto quer dizer que os portugueses em três anos passaram a pagar por este imposto 21%, ao invés dos 17% que pagavam em 2002 – é quanto se paga em Espanha. Os governos que perpetraram estes aumentos (PSD e PS) justificaram estas medidas como prementes para controlar e reduzir o défice das finanças públicas e, segundo a doutrina da União Europeia não deve exceder os 3% do PIB.

O Estado é financiado pelo pagamento dos impostos dos contribuintes portanto, baixar impostos significa – teoricamente – reduzir a receita do Estado; a não ser que se verifique um grande crescimento económico, aumentando assim a receita. Não há nenhum governante que reduza um imposto sem que essa medida tenha um impacto positivo na economia e nos cidadãos, porque afecta directamente os recursos do próprio Estado. Para que o Estado possa reduzir os impostos ou há crescimento económico – que não tem havido – ou, há redução da despesa pública – que não tem havido – ou então, é uma medida a pensar nas próximas eleições. Ora, foram pedidos demasiados sacrifícios aos portugueses, apertou-se desmaiado o cinto para colocá-los em risco por motivos eleitoralistas a fitar as legislativas de 2009.

Claro que a redução do IVA acaba sempre por ter impacto na economia, não vale a pena a oposição escamotear este facto. Pois, se quando aumentou foi uma desgraça para os portugueses, também a sua redução significa uma baixa de preços. Mas, o problema maior é que o consumo está a diminuir drasticamente comparado com os anos anteriores e, para inverter esta tendência é necessário a criação de riqueza, crescimento económico. Portanto, seria muito mais sério e assertivo o Governo diminuir os impostos das empresas e conceder benefícios fiscais às mesmas para atrair investimento privado. Portugal precisa de uma camada empresarial forte porque, é o investimento privado que gera riqueza.

Clades scire qui refugit suas, gravat timorem [Séneca] – Quem recusa conhecer a desgraça agrava a sua inquietação.

Lisboa, 26 de Maio de 2008

Autoridade e violência nas escolas

O vídeo colocado no sítio do «youtube», amplamente divulgado nos órgãos de informação impressionou a opinião pública e, transformou-se num dos maiores casos mediáticos da actualidade. Este vídeo divulga um incidente protagonizado entre uma aluna e uma professora pela disputa de um telemóvel no interior de uma sala de aula, na escola secundária Carolina Michaelis no Porto. A professora confiscou o telemóvel de uma jovem, ao que esta ripostou levantando-se bruscamente da cadeira exigindo a sua devolução de modo rude e histérico; «Dá--me o telemóvel já! Dá-me o telemóvel já!» vociferava a aluna numa falta de respeito intolerável (observável pelo tratamento por tu). A professora ordenou-lhe que se sentasse mas, a adolescente de 15 anos – com corpo de mulher, bem mais robusto que o da professora – ignorou a autoridade da docente agarrando-lhe o braço para lhe abrir a mão e recuperar o aparelho. Esta desavença foi filmada por um colega de turma para folia dos restantes, são audíveis no vídeo a excitação do aluno que está a filmar: «Sai da frente», «Afasta-te», «Ó gorda...», «A velha vai cair»...». É curioso que a professora tenha apresentado queixa da aluna e, da restante turma, somente depois deste caso ter sido difundido nos mídia! Mas, se as imagens impressionam pela sublevação arrebatada da jovem aluna em relação à autoridade da professora, o que dizer de outros vídeos perversos que circulam na Internet, como por exemplo, o espancamento selvático a uma jovem por seis raparigas e dois rapazes – colegas de escola –, uma barbárie sórdida e calculista?!

O impacto que este vídeo provocou na opinião pública contribuiu para a abertura de vários noticiários com a divulgação de mais vídeos de violência física no interior das escolas, assim como, a promoção de vários debates nas rádios, nas televisões, blogues, etc. De repente, instalou-se no país um contágio de histeria colectiva sobre o flagelo da falta de autoridade. Estes contágios de histeria transversais à sociedade infelizmente têm sido banais nos últimos anos, basta recordarmos por exemplo: o caso de pedofilia na Casa Pia, nos meses subsequentes não havia outro assunto que não fosse sobre pedofilia, com o aparecimento de novos casos, novos suspeitos, como se em cada esquina houvesse um pedófilo; outro exemplo é o caso “Madeleine McCann”, com notícias de múltiplos raptos, bastava andarmos na rua para percebermos o pânico dos pais em relação aos filhos, com medo que fossem raptados, como se a rua estivesse empestada de “papões”; a queda da ponte Entre-os-Rios é outro exemplo paradigmático da paranóia pública, com fiscalizações delirantes a quase todas as pontes, lançando o pavor aos automobilistas com suspeições e mais suspeições sobre o estado das pontes de norte a sul do país.

A violência nos jovens em geral é um assunto demasiado sério. Por isso, deve ser tratado e analisado com racionalidade e não de forma precipitada, demagógica e apaixonada, inflamada pelo imediatismo do caso, infelizmente isso não se tem verificado. Os partidos da oposição ao governo de José Sócrates aproveitam para criticar e culpabilizar as medidas do ministério da Educação e da sua ministra Maria Lurdes Rodrigues. O presidente do Conselho das Escolas – Álvaro Almeida dos Santos – quer proibir o uso e posse de telemóveis dentro dos estabelecimentos de ensino, à semelhança do que foi decretado na Grécia e em Espanha. Então, e o que dizer dos aparelhos MP3, e das playstations portáteis e outros aparelhos? Ora, proibir os telemóveis no interior das escolas é uma medida had-hoc desastrosa – qualquer dia proíbem-se os alunos de irem à escola! A democracia implica liberdade e responsabilização pela liberdade que se tem, a democracia envolve direitos e deveres dos cidadãos. É relativamente fácil governar em “ditadura”, basta proibir, mas a democracia é exactamente o contrário da proibição; por um lado, é a liberdade de se fazer tudo o que a lei permite, o que a lei não restringe; por outro lado, é o dever de respeitar a lei, as normas, as regras, para isso é necessário autoridade.

Tenho verificado alguma indignação, principalmente nas pessoas de mais idade que no seu tempo – referindo-se ao tempo de Salazar e Marcello Caetano – estas situações não se passavam, que era impensável um aluno insurgir-se contra a autoridade de um professor. Contudo, esta análise é ilusória: em primeiro lugar, não havia tantos estudantes como hoje, antes do 25 de Abril havia cerca de 230.000 estudantes, actualmente as escolas suportam mais de 1.800.000 alunos; em segundo lugar, os casos não tinham o eco na sociedade como têm hoje, pois, eram abafados pelo reitor e pelo regime da altura e, por outro lado não havia o impacto provocado pelas novas tecnologias; por último comparar a autoridade e a disciplina escolar num regime democrático e num regime ditatorial está-se a fazer uma lamentável confusão entre autoridade e autoritarismo. Propositadamente não referi a heterogeneidade das culturas e subculturas no universo estudantil, como muitas vezes erroneamente tem sido divulgado, porque a autoridade não deve fazer distinção de classe, género, etc., todos são iguais perante a lei, portanto, todos têm os mesmos direitos e, evidentemente os mesmos deveres.

Há um estigma na sociedade portuguesa quando se pronuncia a palavra autoridade. Esta cicatriz, intimamente associada aos quarenta e oito anos de regime autoritário que houve em Portugal, mas também, pelo discurso infectado de uma esquerda radical que se insurge veementemente contra o poder político – legitimamente eleito – a qualquer mudança, incutindo demagogicamente os perigos no regresso ao tempo do fascismo. De facto, penso, que as democracias têm medo de exercer a autoridade e, não devem temê-lo. Felizmente, não há nenhum registo na História da Humanidade, em que um país democrático tenha degenerado em ditadura por exercer autoridade mas, o contrário é frequente. Há inúmeros casos de democracias que degeneraram em ditaduras por não exercerem autoridade, por exemplo: o nazismo na Alemanha e o fascismo em Itália surgem por falta de autoridade dos governos e, em Portugal passou-se o mesmo, porque razão apareceu o Estado Novo? É uma pergunta que poucos portugueses fazem. A Revolução Republicana foi um desastre não trouxe nada de novo, nem desenvolveu as estruturas económicas do país, desde 1910 – Revolução republicana – até 1926 – Revolução Militar –, houve 45 governos e 8 Presidentes da Republica, a instabilidade impossibilitou a governação de Portugal, houve necessidade de tomar medidas drásticas e pôr ordem no país, essa foi a génese do Estado Novo.

Evidentemente que a aluna da escola Carolina Michaelis errou. Foi extremamente vil e mal-educada, cometeu um acto de indisciplina muito grave, disso não há dúvidas. A aluna encarou a professora como se de uma colega se tratasse e, a professora fez exactamente o mesmo, baixou ao nível dos seus educandos disputando fisicamente o telemóvel, uma docente que tenha autoridade não se comporta daquela maneira. Eu também já fui estudante liceal e, também cometi actos de indisciplina – quem não os cometeu? Mas, quando um professor(a) exerce a sua autoridade, é normalmente respeitado pelos alunos e, no limite, defendo o regresso da figura de um reitor ou, de um director ou, um provedor de disciplina para os casos de excepção.

A classe dos professores, ultimamente não tem dado um bom exemplo de subordinação e disciplina. A FENPROF – Federação Nacional Professores – manifesta-se por tudo e quase nada, não respeita as deliberações dos órgãos de soberania legitimamente mandatados pelo povo português, eleitos em eleições livres directas e universais. Como podem pois, os professores exigirem dos alunos o que eles próprios não fazem. A FENPROF é constituída por várias organizações sindicais, com muitos dos seus responsáveis alinhados ideologicamente à extrema-esquerda, de espírito revolucionário, que já não se usa num regime que tem uma democracia consolidada. Algumas manifestações baqueiam no ridículo, tem por um lado um cunho anti-democrático, porque quem se manifesta não são a maioria da população mas, uma minoria e os mais aguerridos, logo não representam a vontade da expressão do voto popular, por outro lado, pressiona o Governo a tomar medidas não para o país mas, para a sua classe, não as decisões do Governo mas, os seus desígnios. Numa das últimas manifestações de professore, em que pediam a demissão da ministra da educação, havia também alunos a vociferar para a ministra se demitir, uma luta que não é deles mas, dá para perceber o grau de promiscuidade que assola alguns professores e alunos, não todos evidentemente.

Os educadores (normalmente os pais) têm hoje muitas dificuldades em educar os seus filhos. Vivemos hoje num mundo a alta velocidade e, a emancipação da mulher contribui também para que os filhos passem muito menos tempo com os pais. Estes Largam-nos em frente aos televisores, às playstations, dedicam-lhes pouco tempo porque chagam a casa cansados do trabalho e, para os compensar permitem que os filhos cometam todo o tipo de excessos, são demasiado condescendentes. Querem ser os pais porreiros e encaram os filhos não como educadores mas, como colegas e, por vezes assiste-se os filhos, desde pequenos, a baterem nos pais com normalidade.

A solução deste problema não diz respeito nem é somente da capacidade do Governo mas, tem de ser repartida pelos alunos, pelos educadores, pelos professores, enfim pela sociedade em geral. Talvez os alunos sejam os mais inocentes, por isso têm de ser educados.

Non unum est imperandi genus; imperat princeps civibus suis, pater liberis, praeceptor discentibus, tribunus vel centurio militibus [Séneca] – Não existe uma única forma de comando; o príncipe governa os súbitos, o pai governa os filhos, o professor dirige os alunos, o tribuno comanda os soldados

Lisboa, 15 de Abril de 2008

Mundial 2018 na Península Ibérica!

Veio a público, a possibilidade de Portugal e Espanha realizarem o mundial de futebol de 2018 em pareceria, portanto, um mundial Ibérico. Esta ideia, ou intento, tem colhido simpatias de um lado, nomeadamente do Dr. Gilberto Madail, presidente da Federação Portuguesa de Futebol e, antipatia por outro, tendo como porta-voz o Presidente da República – Prof. Cavaco Silva. O primeiro assevera que Portugal tem as infra-estruturas do Euro 2004 e, era uma boa oportunidade de recuperar facilmente grande parte desse investimento, para além disso, o mundial representaria uma enorme fonte de receita para a Península Ibérica, e lembra que o último Campeonato do Mundo – Alemanha 2006 – gerou um Cash Flow no valor de 10 mil milhões de Euros. Em relação ao segundo – Cavaco Silva –, enfatiza que há outras prioridades, e que apesar de o país estar mais desenvolvido, o mundial não traria nenhuma solução para os problemas estruturais, mas antes, agudizava-os. Pois, na minha opinião, ambos estão errados.

Há dois posicionamentos totalmente distintos: quem defendeu a realização do evento, afirma que foi o melhor Europeu de sempre e, é verdade que foi acolhido pela UEFA e pela crítica em geral como o melhor Europeu, para além disso, modernizou as infra-estruturas desportivas com a construção de novos estádios de futebol, e prestigiou Portugal além fronteiras; quem foi contra, assegura que a organização do Euro 2004 foi um esbanjamento de euros, nada trouxe de bom para Portugal e, o avultado investimento poderia ter sido aplicado noutras áreas como: saúde, educação, justiça, acção social, combate ao desemprego, etc. Nisto reside o Busílis da questão; as grandes deliberações em Portugal são binárias (sim ou não; bom ou mau; verdadeiro ou falso), temos o exemplo recente da dificuldade que houve na decisão do local para a construção do novo Aeroporto Internacional de Lisboa, e do TGV que continua em estudo.

A questão que eu coloco é a seguinte: o que motivou a organização do Euro 2004, e quais as suas consequências?

Por analogia aos melhores campeonatos da Europa, Portugal não é competitivo mas, também não é desinteressante em relação aos mais pobres; somos por isso, muito melhores que os piores, e piores que os melhores. Ora, foi para impelir o nosso futebol à vanguarda dos mais competitivos e atractivos da Europa, que motivou a organização do Euro 2004. Esta alegação foi sustentada pelos principais agentes desportivos como imprescindível para assinalar um ponto de viragem no futebol português. Segundo os eloquentes, os estádios estavam velhos e obsoletos; eram grandes e a sua manutenção tinha custos elevados; eram desprovidos de boas condições de segurança e, por isso, afastava o público dos espectáculos; não davam resposta ao futebol moderno, ao futebol – indústria. Em resumo, o futebol português definhava porque, os estádios não tinham conforto, segurança, funcionalidade, eram grandes e, representavam elevados custos de manutenção, era premente modernizar as infra-estruturas.

Apesar da veracidade destes argumentos, a verdade é que não passou dum pérfido ardil económico que beneficiou poucos em prejuízo de muitos. O bolo financeiro para o Euro 2004 suscitou a ganância sôfrega dos dirigentes mais poderosos, dos mentores mais influentes. A UEFA, exigia apenas seis estádios - novos ou remodelados – mas, Portugal construiu dez!
Obviamente, que o número excessivo de estádios e a falta de frugalidade dos investimentos deram razão aos mais cépticos, apesar do sucesso do evento. Por isso, a posição do Presidente da República em relação ao Mundial 2018 é perfeitamente compreensível, mas não deve ser implacável. Ora, na organização do Euro 2004 fomos eficazes mas não fomos eficientes. Eficazes, porque os resultados da organização corresponderam aos objectivos propostos perante o Comité da UEFA, embora, considere que a concepção estratégica do projecto não tenha sido a mais adequada à realidade do país. Não fomos eficientes porque a proporção da relação entre a qualidade e a quantidade investida, não correspondeu à qualidade e quantidade dos resultados obtidos, isto é, com um investimento muito inferior, teríamos obtido os mesmíssimos resultados.

Passados quatro anos qual o estado do futebol português?

Principiemos pelos estádios: Faro / Loulé, está fechado, não há nenhum clube a usufruir deste recinto, o Farense dissolveu a equipa profissional de futebol e, ficámos com um estádio novo no Algarve para receber raramente um jogo da selecção nacional, um desperdício; Luz e Alvalade, são bons recintos mas o endividamento destes clubes estrangulou significativamente os seus orçamentos, apresentam equipas medíocres com um futebol pouco atractivo e, os estádios apesar de serem muito mais pequenos raramente enchem; Leiria, uma monstruosidade, para além do clube ter praticamente assegurado a descida de divisão, tem uma média de 700 espectadores – incompreensível a sua construção; Coimbra, está no centro do país, mas o clube não ficou melhor, luta avidamente para não descer de divisão; Aveiro, igual a Coimbra mas, já milita na segunda divisão; Bessa, mais olhos que barriga, tanto quis ser grande que o clube ainda arrisca a dissolvência com um passivo perto de 80 milhões de euros, o clube estava bem melhor antes do novo estádio; Dragão, a grande excepção do futebol português, é um clube moderno na dianteira dos melhores da Europa; Braga e Guimarães também foram bons investimentos, têm equipas competitivas a nível interno e têm grande apoio das massas associativas. Bastavam os estádios dos clubes: Benfica, Sporting, Porto, Braga, Guimarães e Coimbra, os outros quatro foram investimentos mal executados.

Portanto, apesar de haver dez novos estádios, o futebol português não progrediu nem melhorou, bem pelo contrário, nalguns casos aviltou. Mas, há outros interesses que impedem a evolução do futebol português. Por exemplo: os jogos do Benfica, Porto e Sporting são sempre transmitidos pela televisão, seja em canal aberto ou na SporTv e, são realizados sempre à noite. Ora, sendo o futebol um desporto de Inverno, e sendo os jogos pouco apelativos em termos de competitividade e qualidade, as pessoas preferem assistir comodamente nas suas casas, ao invés de se deslocarem ao estádio, estes novos hábitos contribuem decisivamente para o afastamento do público. Ao contrário de Inglaterra, os jogos mesmo em horários diferentes realizam-se de tarde, e os estádios estão sempre cheios.

Para o mundial de 2018 não se pede que Portugal construa mais estádios, seria uma palermice, até porque, pela diferença dos países caberia sempre à Espanha a maior fatia de responsabilidade na organização do evento. Seria uma boa oportunidade para Portugal promover o turismo, pois os investimentos já foram feitos. É nesta posição que discordo do Presidente da Republica mas, compreendo-o, pois, Cavaco Silva sabe perfeitamente que a promiscuidade do dirigismo desportivo e a política é colossal.

Quid enim salvis infamia nummis? [Juvenal] – Que importa a vergonha, se o dinheiro está seguro?

Lisboa, 26 de Fevereiro de 2008

O mistério da morte

A cultura é sempre uma afirmação da negação da morte, porque se o Homem não tivesse a condição para negar a morte, provavelmente não seria capaz de criar a imortalidade simbólica, desistiria de criar o que quer que fosse. Nós negamo-la a todo o momento mas, o nosso desejo limite seria a garantia da resolução desta questão. Mas, ao mesmo tempo, isto é um paradoxo curioso, porque no momento em que a resolvesse-mos não haveria condição para criar mais nada, não haveria condição para a inteligência, nem para a cultura porque, a inteligência manifesta-se perante a falha. É a falha e a interrogação «para onde vamos?» que permite a inteligência. O título desta crónica (ou opúsculo) – «o mistério da morte», é inquietador e tenebroso para a mente humana e, foi exactamente esse o resultado que pretendi alcançar quando o escolhi. Porquê? Porque, mistério é aquilo que os homens não conseguem explicar, e morte é a única experiência que não se pode transmitir. Isto convoca-nos para a mais profunda cogitação do grande enigma da humanidade e o temor que assola o Homem quando a encara – a morte.

Desde o meu nascimento até à idade pré – adolescente, passava as férias de Verão em casa da minha avó paterna na aldeia de Bensafrim – perto de Lagos –, em pleno barlavento algarvio. Eram momentos especiais, um ponto de encontro onde a família se reunia, onde convivia com amigos locais procedentes da infância – fora da rotina diária de Massamá – e, tinha o privilégio de estabelecer um contacto directo com a natureza: a serra e o mar; o campo e a praia. Foram tempos memoráveis, com muitas histórias engraçadas, vou recordá-la uma delas, apesar de mórbida.

«Actualmente, as grandes cidades são um autêntico flagelo para a liberdade e convívio das crianças, apesar de ter crescido próximo de quintas e árvores estava circunscrito a alguns hectares de natureza. Talvez por isso, desfrutasse com enorme deleite a minha liberdade em Bensafrim. Sempre que assentava o pé na rua, sentia o perfume brotado das estevas, trazidas pela bafagem da serra. Depois, podia escolher diferentes caminhos para palmilhar, era a minha liberdade suprema: à direita entre duas ruelas fitava a escola primária, uma escola dos anos 40/50 típica do Estado Novo – palco de tantas brincadeiras e dos primeiros pontapés na bola; à esquerda, do lado ocidental, confluía para o centro da aldeia passando pela fonte que tantas vezes me saciou a sede debaixo de sol inclemente; à esquerda na direcção sudeste, desembocava no campo de futebol e no malhadouro (eira); e, nesta mesma direcção um pouco mais à direita (lado oriental da povoação), havia uma artéria que cruzava vários dos nossos «destinos». Calcorreámos esta via de paralelo ladeada por um paredão do lado direito, delimitando uma das propriedades da família mais endinheirada da aldeia, os Bago D´uva. O lado esquerdo era composto duma fiada de casas rústicas que convergiam até ao adro da igreja enternecido de um aroma a figos, embalado de hora a hora, do alto do campanário pela doce cantilena dos badalos dos sinos. Seguimos caminho abaixo, depois da igreja, ficava o cemitério já muito perto da ribeira, acabáramos de chegar ao destino.

Foi no crepúsculo de mais uma tarde em Bensafrim, que eu e um grupo de amigos decidimos ir ao cemitério velho onde havia uma enorme nespereira. A árvore frutífera estava cultivada numa herdade privada mas, crescera tanto, que derreou para o interior do cemitério recostada ao muro que traçava o seu limite e o da herdade. O tronco situava-se no terreno dos vivos, as nêsperas no lugar dos mortos. Para alcançarmos as nêsperas, tínhamos de entrar no interior do cemitério, como os muros eram altos, parecia um bastião, tivemos de fazê-lo pela porta frontal pois, era a única alternativa de acesso. A fachada era composta por dois degraus de laje salientes e acidentados, sob o olhar austero de dois portões de ferro preto enferrujado.

Após alguma hesitação da minha parte, decidíramos então entrar no cemitério, uma ideia que me amedrontava por um lado mas, despertava-me a curiosidade arcana por outro. Como era um rapaz aventureiro, não me fiz rogado, ganhei coragem – para não dar parte fraca – e, lá fui. Assim que entrámos, ainda de pele arrepiada pelo estridente ranger dos portões arrastados no lajedo, avistei um muro caiado de branco a circunscrever todo o recinto sacro. Em frente, do lado direito, estava um sedimento de cimento com um tampão na superfície, afagado pelos aprazíveis ramais da nespereira. Coagidos pelo ímpeto da gula, galgámos lá para cima. Quando estava refastelado a comer as nêsperas, fui colhido por uma indomável curiosidade de perscrutar os mistérios que o tampão ocultava, foi simplesmente aterrador. Assim que o abri, vi uma enorme quantidade de ossos de cadáveres humanos, mudei de cor, fique lívido, ouvi uma gargalhada em uníssono em meu redor, pois, todos sabiam perfeitamente o que estava lá dentro.

Um cemitério transporta geralmente uma carga negativa, principalmente para aqueles que não têm o hábito de os frequentar, como era o meu caso. Ora, isso não se passava com as gentes locais, que o encaravam com o mesmo à-vontade com que o faziam, por exemplo, com a igreja assente a paredes-meias do cemitério. Na altura senti algum rubor e incómodo, parei imediatamente de comer as nêsperas, apesar de suculentas.

Foi na placidez desta aldeia, a calcorrear ruas e artérias de paralelos, a palmilhar caminhos velhos, subir e descer serranias e vales, brincar e nadar nos rios e barragens, que vivi as mais belas experiências da minha infância e parte da pré-adolescência, recheadas de vida. Mas, também foi nesta aldeia, que pela primeira vez na vida vi ossos de cadáveres humanos; não deixa de ser uma experiência inquietante e simbólica do medo da morte.»

Entre os anos de 1986 e 1988, um anátema abateu-se sobre a minha família, faleceram três tios e o meu avô paterno. Os alicerces da família ruíram e, então tudo mudou. Daí para a frente as férias foram inexoravelmente alteradas pela adversidade inevitável da Lei da morte. O desaparecimento dos meus familiares foi tão devastador que asseverei: «nunca mais na minha vida quero passar férias em Bensafrim», tudo eram recordações, memórias de momentos passados com pessoas que já não estavam entre «nós». Acabei por mudar de ideias e, passados alguns anos reconsiderei, tendo mesmo vivido com a minha avó cerca de um ano e um Verão de férias escolares onde: conclui o 10º ano do curso Técnico-Profissional de Informática de Gestão; completei uma época de futebol no clube local – Estrela Desportiva de Bensafrim; e, fui recompensado por uma extraordinária experiência de vida.

Em casa da minha avó, há quase cinquenta anos está exposto numa das paredes da sala um quadro ajaezado com a pintura do rosto do meu pai. Quem entra em casa não pode deixar de o contemplar e, desde muito novo que sinto uma especial afeição àquele quadro, sem nunca saber porquê, talvez por prender um momento do meu pai anterior à minha existência. Após a sua recente morte, no dia 05 de Novembro de 2007, psicologicamente fui impelido de colocá-lo na parede da minha sala, porquê? A resposta espontânea e comummente adoptada é; para recordar aqueles que já não pertencem ao «nosso» mundo, e porque sentimos a sua falta. Mas, eu pergunto, será só isso? Ou, haverá algo mais no meu subconsciente – e na espécie humana – que me leva a agir desta forma?
Diariamente somos invadidos e atraídos por todo o tipo de imagens que nos afectam de modos muito diferentes, faz parte da nossa e de qualquer outra cultura. Entre todas estas imagens, há uma em particular cujo poder é simplesmente hipnótico, ao mesmo tempo que nos conforta, também nos amedronta e aterroriza. São imagens, que nos manipulam por um lado mas, por outro, garantem-nos uma enorme segurança: são as imagens da morte ou da sua representação simbólica. Todos nós somos atraídos por este tipo de imagens, seja a nossa morte ou a dos outros, por exemplo: quando há um acidente de viação, sobretudo se envolver feridos e/ou mortos, automaticamente desperta-nos um instinto de curiosidade, mesmo que nos aterrorize; o mesmo se passa quando vemos o telejornal. Já repararam que mais de 60% ou 70% das notícias são sobre fatalidades que envolvem: a guerra; o terrorismo; actos de genocídios; conflitos étnicos, religiosos, culturais, decisões ínvias que geralmente abonam na morte?

Construímos cemitérios para os nossos mortos, construímos grandes estruturas e monumentos para os nossos líderes, rodeamo-nos com retratos dos nossos ancestrais, para preservar a sua memória. Mas, será verosímil que os possamos esquecer? Há uma frase lapidar de Shakespeare que diz: «Conservar algo que possa recordar-te, seria admitir que posso esquecer-te.» Porque será então que temos necessidade de nos rodear com constantes lembranças da morte? Será que o retrato do meu pai atiça-me uma série de emoções que não domino, emoções inconscientes e, de certa forma, mais relacionadas com minha morte do que a do meu pai?

Vamos fazer uma viagem no tempo, e procurar as respostas na estirpe da humanidade, descobrir o que compeliu pela primeira vez o ser humano a rodear-se com imagens da morte.

O local mais antigo na Terra onde o Homem viveu mais tempo continuamente até à actualidade, foi Jericó. Esta cidade é famosa pela história bíblica, foi onde Josué derrubou com as suas trombetas os muros da cidade há cerca de 3.000 anos. Esta cidade do Médio Oriente, situada no vale do rio Jordão na actual Palestina, é uma das cidades mais antigas da humanidade – com mais de 9.000 anos – e, em 1950 foi feita uma descoberta extraordinária. Nesse ano, uma equipa de arqueólogos britânicos da Universidade de Cambridge, foram investigar as antigas muralhas da cidade e, no último dia da expedição a arqueóloga Cecil Western, descobriu algo muito mais antigo do que as muralhas que estavam a ser investigadas. Descobriu uma caveira diferente e desconhecida do mundo da arqueologia, pois, estava decorada com argamassa. O artista separou a caveira do corpo e, com argamassa reconstruiu delicadamente o rosto da pessoa falecida, no lugar dos olhos, foram colocadas duas conchas do Mar Vermelho que ficava a uma distância bastante considerável para a época, sendo por isso, um bem valioso. Foi a primeira representação (do conhecimento contemporâneo) artística da morte. Estas representações no fundo eram retratos, com uma base lisa para serem colocados em estantes, prateleiras, no chão, ou em nichos. Quer isto dizer, que há 9.000 anos atrás, as pessoas de Jericó decoravam as suas casas com os rostos das caveiras dos seus antecessores, devidamente decorados e adornados. O que levou a sociedade de Jericó, tal como as sociedades modernas a procederem assim? Talvez a resposta esteja na grande diferença entre o ser humano e os restantes animais.

O que distingue o ser humano dos outros animais?
Uns dirão a inteligência, outros a capacidade do Homem em pensar, outros ainda, a habilidade do humano em superar as adversidades naturais, etc. Em Lagos, o meu professor de filosofia, aliás, um eloquente professor de filosofia, moldou indelevelmente a minha visão sobre o mundo. Ensinou-me muitas coisas, uma delas foi a reflectir sobre o cosmos e a duvidar das certezas, dos dogmas. Todos os animais agem para evitar a sua morte, tal como nós, é um instinto básico evolucionário de sobrevivência que partilhamos com os outros animais. Contudo, os seres humanos têm algo mais que os outros animais, temos a capacidade de reflectir, isso permite-nos perceber a inevitabilidade da nossa morte e, compreender que não lhe podemos escapar. Temos um cérebro demasiado poderoso para imaginar um mundo no qual não mais estaremos presentes. É um grande problema que os humanos têm de enfrentar, é a nossa «condenação», isso reflecte-se no nosso comportamento do dia-a-dia: tentamos conservar a nossa vida; desejamos ser melhores e triunfantes; temos ambições, projectos, etc., e, no fundo, sabemos que na barreira da morte sairemos sempre derrotados. É um pensamento aterrador, hediondo. Mas existe uma forma de aliviar esse medo: através da arte. Há um grupo de especialistas que acreditam que a arte ajuda a explicar, o motivo porque nos cercamos com este tipo de representações simbólicas da morte, são psicólogos no Arizona. Segundo eles, através da arte os humanos representam o mundo natural e controlam esse «mundo». Assim, quando criamos imagens representativas da morte, e dos nossos ancestrais, ganhamos algum controlo sobre a morte, asseguramo-nos de que não é tão nociva e isso conforta-nos.

Os Professores e psicólogos Jeff Greenberg e Sheldon Solomon decidiram fazer uma experiência para tentar descobrir o que acontece na mente humana quando, observamos imagens que nos fazem recordar a morte. Coligiram dois grupos de estudantes. No primeiro grupo conduziram os alunos a pensar na sua própria morte inadvertidamente, induziram-na no subconsciente dos estudantes. De seguida, os alunos foram para uma sala, um de cada vez, e foi-lhes atribuído um controlo remoto para passarem imagens fotográficas num retroprojector, sem quaisquer restrições de tempo, para que pudessem contemplar de forma discricionária cada imagem. No ecrã estavam personalidades das mais diversas áreas, uns vivos, outros falecidos. O grupo que foi induzido a pensar na morte, observou durante muito mais tempo as imagens de ícones já falecidos como por exemplo: Elvis Presley, George Washington, John Fitzgerald Kennedy, Marilyn Monroe, Albert Einstein, Winston Churchil, etc. Este estudo revela que ao pensarmos na morte, reconfortamo-nos a observar imagens de pessoas que já morreram.

Será que o desejo de colocar o quadro do meu pai na minha sala está relacionado com o temor inconsciente da minha morte, procurando assim, algum conforto?
Em Jericó, os cientistas supõem que a média de vida era de 24 anos, a morte devia aterrorizá-los no dia-a-dia, para se consolarem, fizeram representações artísticas dos seus mortos. Era uma forma de os manter «vivos» e não temer o fim da vida. O que motivou os habitantes de Jericó foi um instinto humano universal. Todavia, o reconforto destas imagens, são apenas uma parte da moeda, pois, há um lado em que não nos conforta, bem pelo contrário, aterroriza-nos, tal como os ossos que avistei no cemitério de Bensafrim. Há representações da morte simplesmente perturbadoras, por exemplo: um quadro muito famoso do pintor espanhol Francisco de Goya, que pintou «O Três de Maio de 1808 em Madrid», em que se vê os militares franceses de Bonaparte a chacinar o povo espanhol; ou, o logótipo das tropas de Himmler das SS do regime nazi de Hitler, que escolheu como símbolo uma caveira com ossos cruzados; ou, as esculturas e pinturas das civilizações da América Latina e da América do Sul.

Mas, o que levou os humanos a criarem imagens tão perturbadoras?

No Norte do Peru, o povo Moche entre os séculos 100 e 700 consumiram estas imagens da morte até ao limite humano. O antropólogo Steve Bourget investigou o templo da Lua com as imagens mais grotescas da Antiguidade. Representações alusivas a rituais de sacrifícios humanos, actos perturbadores. Lagartos a transportarem cabeças humanas decapitadas, etc. Bourget numa das escavações encontrou uma série de cadáveres humanos esventrados. Os Moche criaram rituais de sacrifício e conceberam imagens da sua representação, não era arte de fantasia mas, arte como documentário. Em todas estas civilizações o sacrifício era um modo de vida, celebravam com grande solenidade todos estes actos e, representavam-nos através da arte. Os indígenas mexicanos, os Astecas, conduziram este tipo de sacrifícios humanos numa escala colossal. Em 1487 os Astecas perpetraram cerca de 40.000 sacrifícios humanos durante 4 dias na pirâmide Tenochtitlan. As vítimas eram forçadas a subirem 114 degraus da pirâmide para a morte: os sacerdotes mascaravam-se com adereços feitos de ossos humanos e, ainda em vida, arrancavam-lhes os corações e a cabeça que eram aproveitadas para decoração de paredes e muros. Tal como os Moche, os Astecas também documentaram os ritos através da arte.

Porque será que estes povos confeccionaram estas mortandades numa escala enorme? E, porque motivo estes povos rodearam-se de imagens destas carnificinas humanas, e exibiram-nas com orgulho?

Por causa do deus Sol. Era o deus provedor da vida mas, não era um presente que vinha de graça, pagavam a providência com a própria vida. Caso não pagassem, o Sol ir-se-ia embora, as colheitas definhariam, e a vida sucumbiria. Os triunfantes desta depravação do imaginário da morte, foi a poderosa elite da hierarquia social Asteca, um dos mais bem sucedidos regimes de terror que a humanidade conheceu. Através da arte, implantaram uma poderosa dependência sobre as emoções e as mentes dos seus súbditos, através do medo da morte mas, acima de tudo, tiveram outro efeito ainda mais poderoso na mente da população; induziu-os a acreditarem nos valores do estado. O Estado, impunha forçosamente a recordação constante que o povo estava em débito perante o Deus Sol, as imagens inspiravam a lealdade e a obediência. Os líderes Astecas usaram a arte para fortificarem toda a estrutura da sua civilização. É provável que alguns plebeus poderiam interrogar-se mas, certamente que a maioria era mais bem servida psicologicamente identificando-se com os poderes que controlavam a morte, tal como as igrejas ocidentais e a religião em geral.

Será que nos dias de hoje, nas sociedades modernas, o Estado conseguiria manipular a mente humana, através do medo da morte?

Nos Estados Unidos, houve dois psicólogos que fizeram uma experiência muito interessante: colheram dois grupos de estudantes com convicções politicas diferentes, metade apoiava o Partido Democrata, a outra metade o Partido Republicano. Os alunos foram chamados a distribuir molho picante para alguém comer, os alunos dividiram de forma equitativa o molho – cerca de 12 gramas –, tanto para os correligionários, como para o partido da oposição. Depois, os psicólogos reuniram outro grupo de estudantes mas, pediram-lhes que lessem um questionário de modo a pensarem na morte: «Descreva rapidamente as emoções que o pensamento da morte lhe desperta?». Voltaram a distribuir os molhos equitativamente mas, quando foi para distribuir aos que tinham convicções políticas contrárias, distribuíram 27 gramas de molho, ao invés de 12 gramas. Portanto, quando pensamos na nossa morte, apoiamos os que partilham os nossos valores, os nossos credos e, objectamos aos demais, é um instinto humano universal. É tão relevante para os estudantes norte-americanos como para os Astecas ou outros povos da antiguidade.

Outro exemplo deste instinto: todos sabemos que a politica de George W. Bush é ridícula e patética, mesmo entre os americanos, como se explica então a sua reeleição? O Presidente George W. Bush recorreu a estes princípios básicos da psicologia para a sua reeleição nos Estados Unidos. Durante a campanha eleitoral, fez questão de recordar sistematicamente os americanos dos ataques que foram alvo no «11 Setembro de 2001». Os americanos atemorizam-se e, procuram uma segurança psicológica. Quando Bush fica sem argumentos, recorre sempre ao medo dos terroristas, às ameaças iminentes do Ossama Bin Laden, e este faz exactamente o mesmo. Os grandes líderes adquirem uma enorme simpatia ao induzirem as pessoas de que são figuras heróicas, principalmente nas lutas contra o mal, porque, não há mais nada agregador do que o ódio. O ódio faz-se a inventar laços primários que se organizam contra um inimigo comum, é o grande segredo das grandes lideranças.

Quando o pintor espanhol Francisco de Goya pintou a cena «O Três de Maio de 1808 em Madrid», com os franceses a chacinarem o povo espanhol, foi para inspirar a lealdade dos valores revolucionários franceses. É uma pintura que celebra os sacrifícios do povo espanhol pela sua independência em relação aos franceses. Na Alemanha nazi, o logótipo da caveira com ossos cruzados foi usada pelas SS para instigar a obediência. Pensar na nossa própria morte, é investir no nosso sistema de credo. Aqueles que têm crenças diferentes das nossas são uma ameaça psicológica, é um instinto humano universal.

Cercamo-nos com dois tipos de imagens da morte muito diferentes, umas confortam-nos, outras aterrorizam-nos. Cada uma delas conserva uma poderosa influência sobre a nossa mente mas, e se imaginássemos uma imagem que reunisse estes dois poderes em simultâneo? Na verdade ela existe e, no mundo Ocidental é uma das imagens mais familiares: a cruz. A cruz conforta o ser humano; independentemente de se ser cristão ou não, de se ser crente ou não ou, simplesmente por superstição. A cruz é uma representação de dor e sofrimento, é uma imagem tão medonha como eram as da América Latina. Mas, se observarmos a cruz somente como imagem, como representação, é a figura de um homem a esvair-se em sangue numa morte agonizante. Esta imagem deveria aterrorizar-nos. Será assim tão diferente das imagens de sacrifício criadas pelos Astecas? Penso que não.

O que será que acontece na mente humana para tornar esta imagem tão reconfortante para tantos seres humanos?

É do conhecimento da História, o momento em que os seres humanos reuniram pela primeira vez este tipo de imagens da morte, reconfortantes e assustadoras, foi há 2.500 anos pelos etruscos. Os etruscos foram uma civilização empreendedora, foram eles que deram as ferramentas aos romanos para que estes construíssem um grande império. Muito do que os romanos nos deixaram, foram dos etruscos: foram eles que construíram as fundações de Roma; estradas; pontes; sistemas de irrigação, novos conhecimentos de engenheira (construções em arco); aquedutos para abastecimento de água; e professavam uma religião diferente, tanto da grega, como da romana. A Etrúria ficava em Itália, onde actualmente é a Toscana com capital em Florença.

No século XIX, os arqueólogos descobriram milhares de tumbas etruscas, com imagens a retratarem o paraíso com cerca de 2.500 anos, portanto, muito antes do catolicismo. As tumbas Etruscas foram gizadas como casas para a morte, tinham todos os detalhes duma casa: tinham uma entrada para as camas, uma suite, janelas, um terraço. Algumas centenas de anos após a sua construção, depois do desaparecimento das casas de madeira dos vivos, a cidade de pedra dos mortos continua edificada. Para os Etruscos, a morte parecia ser apenas uma simples e agradável continuação da vida, no entanto, há um lado obscuro na forma de encararem a morte. Em 1985, durante umas escavações num oleoduto, foram descobertas novas tumbas com imagens que não visavam o conforto mas antes, o assombro. Em 420 a.C., os artistas e/ou governantes incutiram na mente humana o que actualmente chamamos de Demónios. Um submundo de dor e sofrimento, isto é, os etruscos foram a primeira civilização a representar o Inferno. O que terá mudado ou motivado os etruscos em 420 a.C., para se cercarem com este tipo de imagens? Um dos motivos foi a guerra contra os romanos. Os Etruscos estavam sob intimação da voracidade e agressividade dos romanos, que constituíam uma ameaça à usurpação das terras, e aniquilação da sua cultura. O povo tinha de resistir às investidas dos romanos para serem salvos, quem não resistisse, seria condenado ao inferno. Criaram a alegoria a que hoje apelidamos de Redenção, foi o grande legado dos etruscos à humanidade.

A ideia que subjaz a Redenção é levar as pessoas a olharem para além da morte, ao invés de temê-la. É muito bem disseminada a ideia do sacrifício por uma felicidade transcendente, os bons ascendem aos céus, os maus precipitam-se no Inferno. Os fundamentalistas islâmicos levam este axioma ao extremo. Por essa razão, a cruz é uma imagem peculiar porque, trabalha a mente humana de maneiras opostas. É uma imagem aterradora, representa a dor, perda e sofrimento mas, ao mesmo tempo, é uma imagem que reconforta, que mantém a esperança. Essa combinação fez da cruz, um dos símbolos mais poderosos da humanidade, e esclarece a regularidade do seu uso na tentativa dum significado perante a incompreensível privação da vida. A cruz foi última imagem que vi encrostada no ataúde do meu pai.

Cada civilização é obcecada, visível ou invisivelmente, pelo que pensa sobre a morte, ela anda escondida por detrás dos relógios. Mas, parece-me evidente que cada ser humano tem sempre a fantasia de que será o primeiro imortal, de outra forma, seria insuportável a nossa existência, ou então, somos imortais até que a morte nos bata à porta. Vou contar uma história muito antiga sobre a morte:
“Estava o Xá – soberano da antiga Pérsia – de Bagdade posto em sossego e aparece-lhe o criado preferido que lhe diz: «Xá, vou já fugir para Samarcanda – cidade conquistada pelo Alexandre O Grande –, porque fui ao mercado comprar-te os alimentos para as tuas refeições e, a morte olhou para mim fixamente, por isso, vou já hoje para Samarcanda.» O criado, que era o preferido do Xá, era um criado de facto talentoso e atento. O Xá foi ter com a morte ao mercado e perguntou-lhe: «Então morte por que é que estavas a olhar assim para o meu criado?» E a morte disse: «Estava surpreendida.», «Mas porquê?» «Porque tinha marcado com ele esta noite um encontro em Samarcanda e, não sei como é que ele estava em Bagdade.”

Não sendo religioso questiono os que são: porque motivo, só a espécie humana tem o poder de «falar» com Deus?

Nesta crónica abstive-me de proferir convicções religiosas, limitei-me a escrever sobre as imagens simbólicas da morte, o medo que os humanos têm em enfrentá-la e, o efeito que elas têm na mente humana. Mas, não posso deixar de mencionar que Deus foi a palavra que mais matou no mundo. Vale a pena reflectir se Deus deveria ser ouvido ou apenas visto.
Comecei este texto afirmando que a cultura é sempre uma afirmação da negação da morte mas, e se morte morresse? Se nós fossemos imortais? Ou, se a ciência do Homem conseguisse colonizar um humano à sua imagem?

Se o homem nunca mais morresse, não precisava de pensar porque não teria nenhuma angústia de base, que lhe permitisse mobilizar-se contra o desejo de resolução desta questão primordial, que é a morte. Portanto, a espécie humana, porque é mortal e inteligente: cria, concebe, inventa, fabrica, compõe, imagina. Se o Homem pudesse criar vida, acabava com a morte. Porque uma coisa está ligada irremediavelmente à outra, a vida e a morte, o nascimento e a morte. Se eu sou capaz de organizar um humano a partir de mim, então nunca mais morro. Por um simples facto: se eu sou capaz de fazer aquele, sou capaz de me fazer a mim. Em todo este facto há uma competição com Deus que volta à questão original da condição da espécie que é a condição da morte. Muitos dos filósofos alemães, como Heidegger, chamaram a atenção que o homem é um ser para a morte, o que é uma ideia terrível.

Aequa mors est [Séneca] – A morte é imparcial

Lisboa, 11 de Janeiro de 2008

CODEX 632 no cinema?

Foi com enorme agrado que acolhi hoje a informação de que o romance histórico «CODEX 632», pode vir a ser adaptado ao cinema norte-americano. Apresento um excerto desta notícia publicada no semanário Sol:
(…) «Ao abrigo do acordo, a empresa Gotham Group, com sede em Los Angeles (Califórnia), obteve os direitos de representação do livro, que será posto à venda nos EUA em 01 de Abril de 2008, disse hoje à agência Lusa fonte da Gradiva, actual editora do escritor e jornalista.»
O Gotham Group – que representa realizadores, produtores, argumentistas e escritores – trabalha com autores das principais editoras americanas e produtoras de cinema de Hollywood, designadamente a Paramount Pictures, a Twentieth Century Fox e a Universal Pictures, entre outras.
O ”CODEX 632” vai ser publicado nos Estados Unidos sob a chancela do William Murrow, uma das principais editoras da HarperCollins, e será posto à venda nas livrarias dos grupos Barnes&Noble e Borders, as duas principais cadeias livreiras dos Estados Unidos.» (…)
Parece que o grupo Gotham Group leu a crónica «Sugestões de romances históricos», publicada neste blogue no dia 27 de Novembro de 2007. Mais uma vez os meus sinceros parabéns ao José Rodrigues dos Santos.
Cum mercede labor gratior esse solet [Thesaurus] – Com gratificação, o trabalho costuma tornar-se mais agradável.

Chantagem na Câmara Municipal de Lisboa

O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa, admite renunciar ao mandato caso não seja aprovado pelo PSD – que tem maioria absoluta – na Assembleia Municipal, um empréstimo no valor de 500 milhões de euros, advogando que «está em causa a sustentabilidade e a governabilidade da cidade de Lisboa».

Este empréstimo já foi votado e aprovado na Câmara Municipal, votaram a favor: o PS – António Costa –, o BE – José Sá Fernandes –, o PCP – Ruben Carvalho – e o movimento «Cidadãos de Lisboa» – Helena Roseta mas, para que o empréstimo se concretize é necessário que a proposta seja aprovada na Assembleia Municipal como anteriormente referi, e o PSD ameaça, ou melhor, pondera chumbá-la.

A que se destinam os 500 milhões de euros?

A drenagem do empréstimo a ser concedido pela Caixa Geral Depósitos será feito em duas tranches: a primeira tranche, de 360 milhões de euros é para o pagamento de dívidas de curto prazo; a segunda tranche, de 140 milhões de euros destina-se ao pagamento de dívidas em contencioso.

Os vereadores dos partidos da oposição – exceptuando António Costa e o PSD que na altura era poder – votaram todos a favor do empréstimo, mas são exactamente os mesmos que no primeiro trimestre de 2007 derrubaram Carmona Rodrigues, portanto, todos eles sabiam o status quo em que se encontrava o erário do Município. Mesmo assim, lançaram-se numa disputa desenfreada pelo pode nas últimas eleições a Lisboa, alegando que tinham ideias, competência e projectos para salvar a cidade, veja-se só! Nenhum dos candidatos referiu nessa ocasião que era necessário um empréstimo para o saneamento financeiro da autarquia, isto revela bem o «caciquismo» que há nos pequenos partidos e no poder local. Em Maio escrevi sobre a queda de Carmona Rodrigues o seguinte:

«(…) Sem maioria governativa, desprezado politicamente pelo seu próprio partido – PSD –, o exíguo poder de Carmona Rodrigues em Lisboa, ficou à mercê da gula da peçonhenta oposição, que rapidamente se esqueceram o propósito para que foram eleitos, sem respeito pelos interesses dos que lhes deputaram a confiança através do voto. (…)»

« (…) O mais curioso é que esta indigente oposição afirma que a gestão financeira de Carmona Rodrigues está a sucumbir – há quem diga, nalguns casos que já sucumbiu – o futuro de Lisboa, que a cidade está indubitavelmente condenada ao malogro como um projecto duma grande cidade europeia do novo milénio. No entanto, estes opróbrios actores encenam em palco as boas novas como se fossem o Messias incumbidos de salvar a cidade e os cidadãos de Lisboa. (…)»

Está na moda lançar todos os anátemas para cima de Pedro Santana Lopes, mas o imbróglio da Câmara de Lisboa não é do tempo do ex primeiro-ministro nem de Carmona Rodrigues, como referem alguns vereadores – sedentos de poder – e o próprio António Costa. Em 18 anos de governação da cidade de Lisboa, 13 foram do Partido Socialista – Jorge Sampaio, de 1989 a 1996; João Soares, de 1996 a 2002 – e 5 do Partido Social-democrata – Pedro Santana Lopes, de 2002 a 2004; Carmona Rodrigues, de 2004 a 2005; Pedro Santana Lopes, em 2005; e Carmona Rodrigues, de 2005 a 2007.

Obviamente que o buraco financeiro não é de agora, vem de há muito tempo atrás. Todos os dirigentes autárquicos que passaram por Lisboa, têm certamente as suas responsabilidades, não estou, nem é meu propósito isentar o partido A ou o partido B, mas também não devemos lançar as responsabilidades a quem nos interessa que as tenha. A introdução das novas tecnologias e dos sistemas informáticos na administração pública trouxe à luz do dia a contabilidade real do erário e das contas públicas e, identificar a culpa deste ou daquele, não resolve os problemas da cidade.

A gestão da coisa pública implica acima de tudo saber o objectivo ou a missão do que se pretende fazer, depois há que planear e organizar, para que o planeado seja executado há que dirigir e controlar. Estas aptidões que parecem à primeira vista simples e do senso comum não o são, aliás o segredo de bem gerir é precisamente emparelhar e coordenar estas aptidões umas às outras. A gestão da maior câmara do país não pode por isso, ser feita com medidas avulsas e irresponsáveis. Pedir um empréstimo de 500 milhões de euros para pagar dívidas! E depois? O que é que isso resolve? Quem vier atrás fecha a porta.

Penso que a ameaça de António Costa é pura chantagem e hipocrisia. Alguém acredita que a governabilidade da cidade de Lisboa depende deste empréstimo? Eu não acredito. Sou contra este empréstimo e, se realmente o António Costa não consegue ou, não tem capacidade para governar a Câmara de Lisboa então, deve mesmo ir-se embora. Assim qualquer um sabe governar, contraem-se empréstimos e distribui-se, o mal pelas aldeias, não se resolvem problema nenhum porque a divida continua a existir, apenas adiamos o problema e o pagamento para os vindouros.

É necessário saber com exactidão se as receitas são menores que os custos e, das duas uma: ou aumentam-se as receitas, ou diminuem-se os custos. Pode-se perfeitamente aumentar as receitas alienando património por exemplo e, simultaneamente diminuírem-se a despesa. É sabido que muitos dos serviços prestados à Câmara – e ao Estado em geral – estão brutalmente inflacionados, contratam-se serviços de outsourcing quando há funcionários a ocuparem os seus dias com o ócio. Uma boa gestão deve equilibrar a balança de pagamentos entre o deve e o haver, a cidade de Lisboa vale bem mais como querem fazer crer.

Há uma história muito conhecida que revela bem a desorientação, a falta de rumo e de projectos de António Costa e dos seus pares de coligação: quando a Alice no «país das Maravilhas», perdida na floresta, perguntou ao gato qual o melhor caminho para sair dali.

«Para onde queres ir?» – perguntou-lhe o gato.
«Para qualquer lugar» – retorquiu-lhe a Alice.
«Mas… para ir a qualquer lugar, qualquer caminho serve!» – exclamou o gato.

Priusquam promittas, deliberes, et, cum promiseris, facias – Antes de prometeres, pensa, e quando prometeres, cumpre.

Lisboa, 30 de Novembro de 2007