quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A crise, o Ter e o Ser


Ressoou o alarme, é a mais grave crise desde a Grande Depressão 1929-1933 em Nova Iorque e pôs a civilização em sentido. À oscilação dos preços dos produtos petrolíferos, junta-se também uma grave crise dos mercados financeiros, levando alguns bancos à falência, ameaçando o colapso das economias – é o fim do Capitalismo selvagem, dizem alguns –, repercutindo-se indubitavelmente nas empresas, nos Governos e nos cidadãos. Por isso, preparemo-nos para enfrentar tempos difíceis e de mudança.
A crise é real não há dúvida, mas esta onda de pessimismo e o assomo dum cataclismo que vem sendo anunciado aos quatro cantos do Mundo não me convence por duas razões: a primeira, quanto mais grave for a crise, maior empenho, sinergias e vontade haverá nos líderes mundiais, nos Governos e nos cidadãos em solucioná-la; segundo, se o mundo está tão mau, se a nossa contemporaneidade é tão funesta e infeliz, porque não mudar? Qual é o medo?

Não foram só os gestores pouco escrupulosos que aferrolharam proveitos de lucros fáceis, também o cidadão comum, as empresas e os Estados, lucraram – enquanto rendeu – da especulação bolsista. Compra-se de manhã, vende-se à tarde, fácil, cómodo e isento de impostos. Claro que enquanto uns ganham, outros haverá, que perdem. Sobre a crise dos mercados financeiros, assim como, todos os produtos que circulam à sua volta – designados de produtos tóxicos –, deixo-vos uma bela história que retrata o jogo e a especulação da bolsa.

«Os índios sempre observaram atentamente o tempo, os presságios trazidos pelos ventos, a Lua, etc. Por volta de 2001/2 os índios perguntaram ao chefe “ó chefe, como vai ser este Inverno? Vai ser muito chuvoso? Vai ser muito ventoso? Vai ser perigoso? Vai ser muito duro? Vamos ter de recolher lenha?”
O chefe não sabendo nada de meteorologia, meditou, olhou para o céu e disse, “sim, sim, vai ser duro e vai ser necessário recolher lenha.” Passado algum tempo, os índios voltaram a questionar o chefe, “mas ó chefe! Tem mesmo a certeza que este Inverno vai ser duro?” E o chefe respondeu “sim, tenho.” Preocupado com a dúvida dos seus súbditos, pela calada, foi a uma cabine pública e ligou para o serviço de meteorologia. “Ouça lá! Qual é a vossa previsão para este Inverno? Vai ser duro? Vai ser chuvoso e ventoso…”, e o tipo respondeu “sim, vai ser bastante duro e vem aí bastante chuva.” Perante esta resposta o chefe ordenou aos índios que cortassem mais lenha, “é necessário cortar bastante mais lenha, este Inverno vai ser muito duro.”
Algum tempo depois, o chefe indignando ligou novamente para o serviço de meteorologia e perguntou, “oiça lá, vocês têm mesmo a certeza que este Inverno vai ser duro?” O meteorologista respondeu, “sim, temos a certeza absoluta que este Inverno vai ser bastante vigoroso”. O índio intrigado insistiu, ”mas…, como é que vocês podem ter tanta certeza?” “Então! Os índios andam loucos a recolher lenha.”»

Esta história mostra-nos como os mercados financeiros são fechados, como os bancos por exemplo e, falhando um, o efeito dominó é inevitável, sucumbindo todos os restantes. Mas, responsabilizar e imputar toda a culpa nos avarentos verdugos da banca e dos mercados financeiros, parece-me leviana e iliba, de certa forma, uma culpa colectiva. Após a Segunda Guerra Mundial, a Europa teve taxas de crescimento brutais, a economia, as empresas e as pessoas prosperaram a níveis inusitados; os direitos dos trabalhadores tiveram uma assunção nunca antes alcançada em toda a humanidade. Nunca antes, em toda a História, os cidadãos dos países democráticos e os EUA conseguiram um conforto de vida e um poder aquisitivo de bens de consumo como neste tempo de florescimento; no entanto, a infelicidade parece acossar os espíritos buliçosos.

A mais grave crise, e que na minha opinião tem sido silenciada, é a oposição do Ser ao Ter, da Virtude à Fortuna. Ser implica a interiorização de uma riqueza que há em cada um de nós. Ser mais perfeito é ter assimilado em si maior perfeição, é ter-se convertido a um grau superior, é ter-se trabalhado, ter-se forjado a si próprio, sendo que esse aperfeiçoamento se revela na prática da vida, na exigência em relação a nós mesmos e no comportamento com os outros. Um grau mais perfeito de ser implica uma sabedoria que cada um encontra em si próprio.

Ter é outra coisa. Consiste em obter objectos exteriores que em nada afectam o possuidor e que são independentes da sua qualidade própria, é acrescentar sem mudar. O Ter é exterior à interioridade daquele que tem. Pode-se ser pobre interiormente, e rico exteriormente, e vice-versa – não que isto signifique que os bens materiais não sejam importantes e nos façam felizes. E acontece até, regra geral, que o que procura as riquezas exteriores é o que não tem exigências interiores e necessita de compensar essa pobreza pela afirmação do poder exterior. Procura-se geralmente aquilo que não se tem. Os nossos antepassadas sabiam bem que ser uma coisa não é possui-la. Insistiram na ideia de Virtude, a qual consistia num grau interior e pessoal de perfeição. O Ter é dado pela Fortuna e pelo Acaso; só o Ser depende de nós.

Mas, desde que se generalizou o capitalismo esta oposição entre Virtude e Fortuna perdeu o sentido. O crescimento é condição sine qua non à sociedade. Para que ela funcione é preciso que cresça constantemente o consumo de bens, crescendo também a sua produção. É necessário que cresça o proveito do lucro, que estimula a produção e, é necessário que parte desse lucro seja redistribuído de forma a aumentar o poder de compra dos consumidores.

Desta forma o apetite de ter passou a ser uma virtude social. Sem ele não funciona a sociedade moderna, isto é, toda a sociedade existente, porque de uma forma ou de outra todos os regimes existentes no mundo civilizado são sociedades capitalistas, cuja lei é o crescimento da oferta e da procura. “Diz-me quanto tens, dir-te-ei quanto vales” é o axioma da nossa sociedade. Quem produz pouco ou compra pouco é um mau cidadão. De forma que de todas as qualidades humanas tradicionalmente valorizadas apenas se salvam as que se ajustam a esta lei. Por isso Virtude é hoje uma palavra ridícula no discurso corrente. Eficiência, por exemplo, é palavra muito mais séria. Ninguém se lembraria de recomendar um candidato a deputado ou um administrador de empresas… dizendo que ele é “virtuoso”, mas elogia-se com bastante sucesso a sua “eficiência” e o seu “dinamismo”, e outras qualidades produtivas.

A oposição do Ser ao Ter não vem da banca nem dos mercados financeiros, nem do crescimento económico, vem de cada cidadão. E, nesta crise de valores, dissimulamos uma culpa colectiva que teimamos em não admiti-la, continuamos a julgar cobardemente e a sentenciar com ferocidade os banqueiros, os políticos, os Governos, os EUA, os ricos porque ganham dinheiro, os pobres porque não têm ambição… enfim... e nós?! Não teremos também de reflectir o nosso arquétipo de vida?!

Vilius argentum est auro, virtutibus aurum [Horácio] – A prata vale menos do que o ouro, o ouro vale menos do que as virtudes.
Lisboa, 05 de Novembro de 2008

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O embuste a Pedro Santana Lopes

Os militantes sociais-democratas quando votaram em Manuela Ferreira Leite nas últimas directas do PSD fizeram-no por dois motivos: para credibilizar o partido; e, porque, Pedro Santana Lopes significava o descrédito que tem vitimizado o PSD nos últimos anos personificando o rosto da derrota de 2005 (expressão utilizada por José Pacheco Pereira no programa Quadratura do Circulo). Aliás, a credibilidade foi a sua grande bandeira de campanha, não foi por convicção política ou volição pessoal que aceitou disputar a liderança do PSD, mas a responsabilidade do “dever”. Uma missão altruísta para livrar o PSD das garras de Pedro Santana Lopes.

Pode-se concordar ou discordar das ideias de Pedro Santana Lopes mas, a truculência dos adversários e de alguns correligionários chega a ser ridícula e roça o preconceito. De facto, a política é um cemitério de virtudes e pudor. Há quem tenha sido seu ministro e hoje fazem por olvidar do seu curriculum, sendo que alguns, são dos mais pertinazes detractores. Julgo, que Pedro Santana Lopes tem todo o direito – tal como outros – de andar na política, de candidatar-se aos cargos que cobiça, e de pugnar os combates políticos que entender, o povo estará para julgar e ditar-lhe a sentença, não são os analistas e comentadores.

Posto isto, a aquiescência de Manuela Ferreira Leite ao anúncio – prematuro – da candidatura de Santana Lopes, à Câmara Municipal de Lisboa nas próximas autárquicas (2009) causa estranheza. O que levou Manuela Ferreira Leite a ter esta atitude e desbaratar a auréola de credibilidade que ostentava aos olhos dos Portugueses?

Há muito que digo que o poder em Portugal não se conquista, esgota-se no sujeito que o possui, portanto, o poder de José Sócrates ainda não se esgotou e, só perante uma hecatombe não vencerá as próximas eleições. António Costa em Lisboa, também será muito difícil de destroná-lo, independentemente do valor do seu opositor. Os lisboetas querem e precisam de estabilidade e não de convulsões e politicas avulsas. Manuela Ferreira Leite saberá isso melhor que ninguém, por isso, no seu intimo, assimilou a derrota nas próximas legislativas e aproveita, para também derrubar Santana Lopes dando-lhe um venenoso presente, que aceitou de imediato: a candidatura à Câmara Municipal de Lisboa. Mas, e se ele vencer?!

Adeo natura a rectis in vitia, a vitiis in prava, a pravis in praecipitia pervenitur! [Veleio] – Passa-se naturalmente das virtudes aos erros, dos erros aos vícios, dos vícios ao abismo!

Lisboa, 03 de Novembro de 2008