terça-feira, 25 de agosto de 2009

Leão encarcerado na História

A pressão a que o Sporting está a ser sujeito não causa estranheza, apenas a cegueira dos seus dirigentes impedem de descortinar o que os olhos da maioria dos adeptos de futebol observam. No campo a equipa não joga, no banco o treinador não orienta nem consegue motivar os seus jogadores, o balneário está desagregado e a direcção limita-se a assistir impávida e serena ao descalabro.
O actual presidente do Sporting José Eduardo Bettencourt cometeu um erro grosseiro ao consubstanciar o seu projecto no treinador Paulo Bento em detrimento de ideias inovadores. Como gestor experiente deve saber melhor do que eu que os quatro principais alicerces de uma boa Gestão são: planeamento; direcção; organização e controlo, portanto, tudo aquilo que ficou por desenvolver e, ao invés, lamentou-se do orçamento, de não estar tão perto da equipa como gostaria e fazer afirmações disparatadas como: “Paulo Bento forever”, um presidente de um clube ou de uma empresa não pode fazer tais afirmações.

A assunção de Paulo Bento à equipa principal do Sporting não foi apoiada no mérito desportivo do treinador, mas antes, pelo imperativo financeiro da SAD. Paulo Bento não é um técnico credenciado nem tão-pouco tem qualidade para ser um treinador de top do futebol português. É verdade que cumpriu satisfatoriamente a tarefa de “interino” após a saída de José Peseiro. Aproveitou e bem, o desnorte do Benfica e alcançou resultados financeiros assinaláveis para a SAD com o apuramento para a Liga dos Campeões – mas deveria ter saído no final dessa época. Contudo, os resultados foram sempre em sentido oposto àquilo que deve ser o negócio do futebol: espectáculo atractivo, emoção, ambição, vontade, empatia com o público e, acima de tudo cumplicidade entre colegas e equipa técnica. Portanto, há muito que Paulo Bento deveria ter saído do cargo de treinador principal, talvez voltar aos juniores. O “Sporting de Paulo Bento” apesar de alcançar alguns resultados positivos, caracterizou-se sempre pelo mau futebol, intrigas de balneário, diferenciação no tratamento de jogadores, desvalorização de activos, e o que dizer da jornada europeia contra os alemães do Bayern Munique?

Surpreende-me a letargia das últimas direcções do Sporting, e dos mais acérrimos indefectíveis de Paulo Bento terem responsabilidades no clube e na SAD. Ontem num programa da SIC notícias o Dr. Dias Ferreira, finalmente, esclareceu a minha inquietante dúvida: segundo ele, o marasmo do Sporting durante 18 anos esteve ligado às constantes “chicotadas psicológicas” que o clube doutrinou nas décadas de 80 e 90. O clube foi gerido pela paixão e entusiasmo dos adeptos e não pela racionalidade dos gestores. Por isso, para não se cometer os mesmos erros, não há justificação para tomar medidas drásticas à mínima contrariedade – referindo-se à mudança da equipa técnica.
Mas será que o Dr. António Dias Ferreira não vê que isso é uma estupidez e uma aldrabice que pode sair cara ao Sporting? Mais cara do que alguns erros que se cometeram no passado? Os erros do passado não podem encarcerar o Sporting na inevitabilidade do triste fado, impedi-lo de caminhar em direcção ao futuro. Mínima contrariedade Jogar mau futebol tantas épocas!?“Paulo Bento forever” ou “derrotas forever”? Como descalças esta bota José Eduardo Bettencourt?!
Incompreensivelmente, os responsáveis do Sporting perfilharam desde há muito um discurso pouco exigente e resignado em relação à equipa de futebol. Pois, julgo sinceramente, que esta equipa tem capacidade para jogar mais e melhor – não com este treinador; a falta de dinheiro para contratações e o reduzido orçamento em comparação ao Benfica e Porto não pode servir de amparo para dissimular a falta de competência do treinador e da direcção: se assim fosse, então o Sporting teria obrigatoriamente de vencer todos os jogos contra as equipas de orçamentos menores, o que claramente contrasta com a realidade.

Os últimos resultados desportivos não são o maior problema do Sporting, são antes uma consequência do Sporting jogar mal (muitíssimo mal), apesar de muitos leoninos discordarem, há muito que venho afirmando para os perigos deste Sporting praticar tão mau futebol.

No futebol como na vida, não faço do mal alheio a minha felicidade, por essa razão e, apesar de ser benfiquista, gostaria de ver as equipas portuguesas mais fortes, a praticarem um futebol mais atractivo e a darem créditos nas competições europeias. Quanto mais fortes forem as nossas equipas, mais deleitosas serão as vitórias do meu Benfica.

Boa sorte ao Sporting em Florença.

Est multis certare datum, sed vincere paucis [Eiselein] – Competir é concedido a muitos, mas vencer a poucos.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A Burla

Todos os dias há pessoas que caiem no conto do vigário, é do senso comum, penso mesmo que não há ninguém que nunca tenha sido burlado pelo menos uma vez na vida.
No dia 8 de Junho à noite quando abri a torneira da cozinha de água quente, reparei passados alguns segundos que a água que saía continuava fria. O esquentador – Junkers –, liga-se automaticamente sempre que se abre uma torneira de água quente, são os chamados “esquentadores inteligentes”, deixara de funcionar, simplesmente não ligava. Fechei a torneira, abri-a novamente, e nada; experimentei com outras torneiras, e nada. As minhas suspeitas confirmaram-se, o esquentador acabara de avariar após nove anos de laborioso contributo doméstico.
O Sr. João Sousa é um técnico qualificado que mora na minha zona, repara e instala esquentadores, exaustores, máquinas de lavar (roupa, loiça), frigoríficos, etc., percebe também de electricidade, e tem sido a pessoa a fazer este tipo de trabalhos em minha casa, além do pai da minha mulher, sempre que lá vai invariavelmente acaba por fazer alguma coisa – a minha vocação para este tipo de tarefas não é famosa. Conheço-o há vários anos, e tenho como uma pessoa de confiança, referenciei-o por diversas vezes a pessoas amigas que ficaram satisfeitíssimas com a diligência do seu trabalho. Não! Não foi ele o autor da burla.
Voltando ao que interessa. Liguei ao Sr. João Sousa mas, infelizmente não atendeu o telemóvel, dado o adiantar da hora não insisti. A minha mulher costuma guardar alguns anúncios colocados na caixa do correio, e lembrou-me que havia um íman afixado no frigorífico com um anúncio de uma empresa de multiserviços que dizia mais ou menos o seguinte: “Reparamos tudo em casa…”, seguido de um número começado por 800.
No dia seguinte – terça-feira – liguei novamente ao Sr. João Sousa que voltou a não atender o telemóvel, insisti, liguei para o número directo do trabalho mas, uma vez mais, o ocioso auscultador continuava inerte do outro lado linha. Como estávamos numa semana de dois feriados, um quarta-feira e outro na quinta, calculei que ele poderia estar de férias com a família e, portanto, optei por telefonar para o tal anúncio afixado no frigorífico. Atendeu-me uma mulher muito simpática, pelo tom voz andaria na casa dos trinta e poucos anos. Relatei o que se passara e solicitei a ida de um técnico lá a casa. Pediu-me a morada, os meus dados pessoais e disse-me para aguardar um contacto dum técnico para com ele agendar uma visita. Não tardou mais de um quarto de hora para receber uma chamada do Sr. Victor. Expliquei-lhe tudo novamente e, fiquei um pouco surpreendido com o seu questionário:
“ Sr. José Gomes qual é a marca do seu esquentador?”
“É um Junkers, dos «inteligentes».”
“Há quantos anos o tem?”
“Tenho-o há nove anos”, respondi.
“Nove? E quando é que fez a última revisão?
Revisão?! Revisão é coisa de automóveis não de esquentadores, pensei eu! “Nunca foi feita”.
“Você nunca mandou fazer uma REVISÃO ao esquentador?!”
“Não!”, confesso que o tom de voz e a insolência do técnico desagradaram-me um pouco. Sabia lá eu que era necessário fazer a revisão ao esquentador. Insistiu no num registo de superioridade e altivez. Atalhei de pronto: “Sr. Victor desculpe lá a interrupção, mas preciso do esquentador reparado o mais breve possível. Pode Repará-lo ou não?” Senti que ficou um pouco surpreendido pela interrupção abrupta mas acabámos por agendar uma visita para o dia seguinte, quarta-feira ao meio dia. Seguramente não estava com paciência para aquele tipo de questionário, a privação do esquentador era já incómodo bastante. Não tanto por mim, pois estou habituado a tomar banho de água fria e quem comigo joga futebol às terças-feiras sabe que é verdade. Era pela minha mulher, que durante esses dias teve de aquecer umas quantas panelas de água, à moda antiga, para poder tomar banho.
Pus o despertador para as 11:30h do dia seguinte. Certamente daria tempo de tomar um duche de água fria e estar pronto para receber o técnico à hora marcada. Mas inesperadamente, o meu sono foi interrompido às 11:10h não com o toque do despertador, mas com o toque vigoroso da campainha.
Abri a porta e entra-me pela casa adentro um sujeito alto, gordo, cara patusca e bochechas rosadas, cabelo cumprido escuro e viscoso, a barriga proeminente denunciava a dificuldade de pôr a camisa para dentro das calças, motivo pelo qual estava desfraldado e estrafegado pela subida do lancil das escadas. No bom jargão português; é o típico “cromo”. Estendeu-me a mão direita, cumprimentou-me, a mão esquerda transportava uma enorme caixa de ferramentas e, sofregamente perguntou-me onde estava o esquentador. Encaminhei-o então ao local do aparelho e, não demorou cinco minutos para deslindar o enigma. Segundo ele, o problema era da gordura acumulada, mas para o confirmar, teria de levar o aparelho para a oficina, limpá-lo completamente e avaliar se havia mais alguma anomalia. Voltou a insistir na importância de fazer a revisão. Antes de sair fez um reparo trocista à pessoa que fizera a instalação – o Sr. João Sousa:
“Sr. José Gomes, não sem quem foi o «artista» que fez este trabalhinho, mas esta instalação está muito mal feita, além disso, não respeita as normas de segurança,” e continuou a argumentação apontando o dedo indicador na direcção do tubo do gás (canalizado), “se vier uma inspecção, o Sr. Leva uma multa pesada, este tubo tem de ser substituído, para sua segurança, mas não se preocupe com o preço que não é dispendioso”.
“Agradeço a sua preocupação. De facto este assunto não é o meu forte. Mas quem instalou este equipamento tem certificação de qualidade, e os inspectores do gás nunca levantaram qualquer reparo à instalação!”
“Pois, mas isso era antes. Agora as normas são outras. O Sr. José Gomes é que sabe, só quero ajudá-lo.” Antes de sair fiz-lhe uma pergunta e uma exigência:
“Sr. Victor, qual a previsão da reparação e entrega do esquentador? Antes de qualquer reparação quero um orçamento prévio.”
“Sr. José Gomes fique descansado. Na sexta-feira de manhã ligo a dar-lhe o orçamento e combinamos logo a hora da entrega.”
“Muito bem! Fico então a aguardar. Bom trabalho.” Despedimo-nos cordialmente.
Tudo isto se passou em menos de cinco minutos, assim que fechei a porta, senti um arrepio na espinha e intui que algo de errado se passara ali. É verdade que sou um leigo em esquentadores. Mas, os meus pressentimentos são como as convicções do Prof. Cavaco Silva: “Nunca se enganam e raramente têm dúvidas”. Por mais estranho que pareça, comecei a pesquisar na internet o preço dos esquentadores novos semelhantes àquele.
Na sexta-feira até ao meio dia, o Sr. Victor ainda não tinha dado sinal de vida, aguardava ansiosamente pelo toque do telemóvel. Liguei para o tal número (800…), atendeu-me outra rapariga de igual simpatia. Solicitei informação sobre a reparação, atenciosamente pediu-me que aguardasse. Ligou para o técnico, ouvi a conversa entre eles e passados alguns segundos, descansou-me dizendo que o Sr. Victor ainda estava de volta do esquentador, mas que me ligava logo em seguida. Tudo bem, pensei eu.
Depois do almoço ainda aguardava pelo telefonema. Esperei até às 16:00h e nenhum sinal de vida do técnico. Voltei a telefonar. De novo o mesmo processo, a rapariga a ligar para o técnico e a pedir-me educadamente que aguardasse pelo seu contacto. Liguei mais três vezes até à noite e a resposta foi sempre a mesma, unicamente o que mudava eram as operadoras. Finalmente por volta das 22:30h, um pouco desgastado com a falta de palavra do técnico, fui mais incisivo com as operadoras – nessa altura penso que todas elas me conheciam a voz –, contudo, as suas respostas eram sempre frugais e esquivas, exigi que o técnico entrasse imediatamente em contacto comigo ou, em alternativa, me dessem o número do telemóvel para eu entrar em contacto com ele. Acabaram por aceder e deram-me o número do telefone do Sr. Victor. Antes de desligar, perguntei à operadora se sabia o valor do orçamento, inesperadamente sabia; eram 155 € da reparação mais 29 € do tubo. Imediatamente recusei o orçamento e exigi a devolução do aparelho o quanto antes.
A minha preocupação nesta altura era a urgência da reparação ou, a colocação de um novo equipamento, a situação começava a ser insustentável sobretudo para a minha mulher. O que fazer? Ligar para o técnico ou esperar que ele me ligasse? Ele sabia que o orçamento fora recusado, sabia também que estava em falta, julguei que entrasse em contacto comigo num esforço de “reparar” o prejuízo: puro engano.
No Sábado de manhã a situação manteve-se inalterada até às 11:00h da manhã. O técnico teimava em não dar sinal de vida. Certamente despeitado pela minha recusa, poderia almejar condicionar a minha decisão ou, no limite, tomar uma posição de força, o esquentador continuava na sua posse. Telefonei para ele.
“Estou sim?”
“Sr. Victor? Fala José Gomes. Penso que me deve uma explicação!”
“Olhe, Sr. José Gomes, peço imensa desculpa mas ontem foi impossível ligar-lhe, fiquei sem saldo no telemóvel.”
“Ficou sem saldo no telemóvel?!”, esta resposta prenunciava problemas. Além de mentir despudoradamente, fazia-o com total descuido, não se preocupando por isso com o que eu pudesse considerar! “Tudo bem Sr. Victor, deixemo-nos de conversa fiada e vamos ao que interessa…”
“…espere, espere. Se achar que o preço do orçamento é muito caro posso tirar 20 € do tubo…”
“Acho que não percebeu Sr. Victor. Eu não quero que você repare o esquentador, pretendo que mo devolva o quanto antes.”
“Se é isso que pretende, terá de pagar-me 42 € pela deslocação.” O tom de voz mordaz pressagiava que o caminho da devolução do equipamento seria sinuoso, por isso não ofereci resistência, ansiava acabar o quanto antes com a burla.
“Tudo bem Sr. Victor. Não há problema. A que horas é que mo pode trazer”
“A que horas? Ora bem, hoje tenho um dia complicado…”
“Não importa a hora”, insisti.
“Então pode ser às 16:00h?”
“Pode sim senhor.”
A minha intuição não me deixava sossegado e pressentia que o técnico esquivar-se-ia mais uma vez. Não podia confiar nele, mas também não tinha grande alternativa senão tentar levar o “barco a bom porto”.
Para receber o técnico à hora marcada, saímos mais cedo que o previsto do almoço de aniversário da minha mãe Durante o trajecto de regresso a casa, lembrei-me novamente de ligar ao Sr. João Sousa. Desta vez tive sucesso. Após uma curta conversa conseguira convencê-lo a ir lá a casa no dia seguinte – Domingo –, um pouco atravancado, acabou por condescender. Agora, mais que nunca, era premente que o “cromo ” me devolvesse o esquentador.
O ponteiro do relógio estava prestes a anunciar as 18:00h e, nenhum sinal do Sr. Victor. Começava a perder a paciência com este tipo, já estava por tudo... Liguei para ele novamente mas não atendeu. Voltei a ligar para as operadoras da empresa, expus minuciosamente o que se passara, sem contemplações, nem sequer disposto a ouvir justificações. Por fim, exigi que fossem fornecidos os dados da empresa. A operadora ficou atrapalhadíssima e, imediatamente desligou-me o telefone. Não restavam dúvidas, fui burlado por um “cromo”.
Não foi preciso perder muito tempo para fazer uma pesquisa na internet e verificar que a morada da empresa era um apartado, mesmo assim, não baixei os braços e não estava disposto a virar a cara à luta.
Isto não pode acabar assim – pensei. Por um lado, tinha a confiança que ele quisesse “recuperar” pelo menos os 42 € da deslocação. Por outro, talvez essa quantia não fosse suficientemente tentadora para ter de me encarar cara-a-cara. O que fazer?
A última chamada para o técnico confirmou a burla, surpreendentemente atendeu o telemóvel.
“Então Sr. Victor?! Combinámos às 16:00h e são 18:00h, será possível que não seja capaz de cumprir com a palavra?”
“Olhe! Peço desculpa. Mas…”
“O que foi agora?! Que desculpa esfarrapada tem para me dar?!”, interrompi-o brutalmente, bastante irritado e exaltado. “Você é um ALDRABÃO!”
“Tenha calma. Não é nada disso que está a pensar. Eu tenho o seu esquentador comigo e estava a caminho de sua casa, mas tive um problema com o carro. Começou a perder óleo, peço desculpa mas não posso entregá-lo hoje. Tem de ficar para segunda-feira.” Refeito da cólera inicial, rapidamente percebi que teria de vencê-lo pela subtileza e não pelo insulto.
“O seu carro avariou e não pode cá vir, hum! Não há problema, onde está?”
“Bem, …” visivelmente atrapalhado e surpreso com a minha interpelação, “Estou em Setúbal.” Senti que o tinha na mão. Agora teria de conduzir a conversa por outro trilho, ser firme, mas deixá-lo pensar que tinha o controlo. Era necessário desarmá-lo, para isso tinha de evitar hostilizá-lo em excesso, e fazê-lo sentir-se culpado.
“Certo. Vamos fazer o seguinte se concordar: sugira um local e uma hora para nos encontramos. Eu vou ter consigo e trago o esquentador, assim poupo-lhe o trabalho da viagem e escusa de cá vir. Parece-lhe bem? Fique descansado que pago-lhe na mesma os 42 € da deslocação.”
“Bom, eu estou em Setúbal mas o esquentador não está comigo.”
“Caramba! Mas acabou de afirmar que estava a caminho de minha casa com o esquentador quando o seu carro avariou, e agora não o tem consigo?! Onde está então?”, decididamente a inteligência não era o forte do “cromo”, que continuava a mentir descaradamente.
“Bem… está no Seixal.”
“Diga-me a hora e o local, nem que seja no Porto ou no Algarve, tenho tempo.” Pressionei-o um pouco. Ele tinha de perceber que a minha decisão era irreversível e que não desistiria facilmente.
“Então fazemos antes outra coisa. Eu desenrasco uma boleia e pode crer que levo-lhe o esquentador.” O tipo não era parvo de todo, certamente quereria ganhar tempo e livrar-se de mim, teria sido cáustico demais?
“Sr. Victor diga-me lá, como posso confiar na sua palavra?”
“Não pode. Mas vai ter de confiar. Tem alternativa?”
“Certo. Forçosamente vou ter de confiar na sua palavra, já agora, pode vir a qualquer hora.” Neste jogo do gato e do rato voltava a ficar numa situação adversa. O rubor que senti naquele momento não justificava sequer o valor do equipamento. Desta vez, não caíra novamente no erro de esperar na penumbra do silêncio, tinha de o pressionar ainda mais, mas como? Liguei novamente para o número do anúncio, a voz do outro lado não era a mesma que me desligara o telefone anteriormente. Antes de mais, pedi-lhe que não desligasse a chamada à semelhança do que fizera a outra operadora. Pediu-me desculpa, e justificou o ocorrido, tudo se devera a um problema na central telefónica. Apesar da inverosímil fundamentação não contestei a justificação e continuei. Depois de expor novamente todas as peripécias, a que fora sujeito desde quarta-feira a sábado, responsabilizei-os por terem enviado aquele técnico. Informei-os que, caso não fosse entregue o aparelho naquele dia, apresentaria de imediato uma queixa-crime na polícia e instaurava-lhes um processo judicial. Pretendia que pressionassem o Sr. Victor. Apesar de tudo, realcei que o técnico se comprometera levar o equipamento até ao final do dia. A operadora não conseguiu disfarçar o nervosismo e a perturbação.
Toca o telemóvel.
“Então pá!? Está a brincar comigo ou quê? Não sou nenhum ladrão e não quero o seu esquentador para nada. O que não me falta lá em casa são esquentadores, não preciso do seu para nada ouviu?...” A conversa da operadora com o técnico tivera o efeito pretendido, talvez ela o tenha pressionado de mais.
“Óptimo. Era mesmo isso que esperava ouvir. Se não precisa dele então traga-mo de volta. Você nunca cumpriu com a palavra, como posso confiar em si, portanto, escusa de fazer-se de ofendido. Se há alguém que tem sido prejudicado durante estes dias todos sou eu, não você.”
“Fique descansado que o esquentador vai a caminho.” E desligou.
Este tipo de discussões acaba sempre por ter um efeito acabrunhante, tinha de impedir que um badameco estragasse o meu fim-de-semana. O que fazer? Esperar? Até quando?
Tocam à campainha finalmente!
Novamente estrafegado pela subida do lancil das escadas – meia dúzia de degraus, fiquei estarrecido pela simpatia.
“Pronto Sr. José Gomes aqui tem o seu esquentador. Está todo limpinho como pode verificar. Se precisar de alguma coisa, tem o meu número disponha.” Preparava-me para preencher o cheque dos 42 € da deslocação quando brutalmente virou costas e pirou-se! Senti um arrepio na espinha mais uma vez, qualquer coisa estranha se passara. Teria o equipamento a mesma haveria ou, propositadamente haveria mais alguma? Ou não! Será que o problema seria a falta de revisão e estaria em condições de funcionar?
No Domingo tinha encontro marcado com o Sr. João Sousa a partir das 16:00h. Esperei, esperei e nada. Não queria acreditar! Só quando peguei no telemóvel verifiquei que estava desligado porque tinha a bateria descarregada. Com a confusão do dia anterior tinha-me esquecido de pô-la a carregar. Afinal, era eu que estava em falta e não o Sr. João Sousa. Havia algumas mensagens e tentativas de contacto da sua parte, a última tinha sido quinze minutos antes. Falei com ele e desfiz-me em desculpas – seria por especial favor que suspendia um Domingo em família para ir lá a casa –, como pessoa bem-educada, aceitou a minha justificação, no entanto, a deslocação teria de ser adiada para o dia seguinte. O tormento teimava em não cessar.
No dia seguinte, quando chegou já passavam 21:00h, fora impossível ter vindo mais cedo comentou.
Contei-lhe – sem grande detalhe – o que acontecera com o Sr. Victor, não esboçou nenhuma surpresa.
“Oh! Com esses tipos é preciso ter muito cuidado, nem imagina os lamentos que me têm feito. Olhe, nos frigoríficos então é demais. Não reparam simplesmente, quando chegam ao cliente, abrem-nos, demoram uns cinco minutos e dizem logo que não tem reparação possível, ou então, que é muito dispendioso e a melhor solução é comprar novo. Depois cobram 50 € pela deslocação. Conheci algumas empresas que ganhavam dinheiro apenas pela cobrança das deslocações. Enfim!”
O primeiro diagnóstico não foi bom. Nada funcionava, chegou a duvidar se haveria reparação. Mas o zelo do seu trabalho não o deixou vencer pela inevitabilidade duma morte anunciada. Deslocou-se a casa para ir buscar umas peças e, quando terminou, sem ter jantado, já passavam das 23:00h. De bom gosto ofereci-lhe jantar, agradeceu mas, já vencido pelo cansaço ansiava pelo descanso. Despedimo-nos num até breve.
O preço? Foram 30 € pela mão-de-obra (mais de três horas trabalho) e 60 € de material, mas de boa vontade e como prova do meu agradecimento dei-lhe mais algum dinheiro, timidamente aceitou.
Quanto ao “Junkers”, funciona que é uma maravilha.

Animus decipiendi – A intenção de enganar.