sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Maitê Proença

Recebi há dias um e-mail, que continha um vídeo divulgado no sítio do youtube, em que a célebre actriz e escritora Maitê Proença escarnecia de Portugal e dos Portugueses. Não visualizei a totalidade do vídeo, mas o pouco que vi causou-me alguma repulsa, quer pela ignorância da actriz em relação a Portugal mas, principalmente, quando ela cospe despudoradamente para uma fonte no Mosteiro dos Jerónimos – património da Humanidade. Ignorei o e-mail não lhe dando importância alguma.
Este vídeo foi gravado em Portugal no ano de 2007 para um programa televisivo brasileiro «sai justa», em que a actriz participa com outras três mulheres. Um programa pretensamente de humor mas, ao que parece é estúpido e néscio.
Acontece porém, apesar de ignorar o e-mail, o impacto mediático tomou proporções verdadeiramente inusitadas, passou da blogosfera para os principais noticiários em horário nobre da televisão portuguesa. Nunca pensei que este «caso» tivesse um impacto mediático tão acicatado.
A estupidez é bem mais atraente que a inteligência, enquanto esta tem os seus limites a outra não tem, por isso, certas reacções de pessoas inteligentes causam-me estranheza, como por exemplo: pretender proibir a entrada da actriz em território nacional – que parolice!
A multiplicidade de opiniões da blogosfera roça o ridículo e a xenofobia em relação aos brasileiros, e temo que possa abrir uma lacuna diplomática entre dois países que se querem bem.
Tenho amigos brasileiros, tanto em Portugal como no Brasil. Trabalhei em 1999 na cidade de São Paulo e, conheci várias regiões do Estado São Paulo, tenho portanto, uma ideia dos brasileiros que nada se assemelha à atitude de Maitê Proença. Os brasileiros adoram os Portugueses, têm um enorme orgulho neste pequeno país e na nossa história. Aliás, surpreendeu-me o elevado conhecimento dos brasileiros em relação à nossa história – que também em parte é a deles. É verdade que contam anedotas a nosso respeito, e nós em relação aos alentejanos? Não brincamos com eles?
Não pretendo defender Maitê Proença, mas atribuir-lhe a importância que lhe estão a dar, parece-me no mínimo excessivo, e é arriscarmos a dar-lhe razão. Contra a estupidez e a ignorância não há melhor que o humor, e se de repente os alentejanos ficassem ofendidos com as anedotas contadas a seu respeito? Como seria este país? Mas não, eles têm muito humor, aqui fica uma anedota de alentejanos:
«Um alentejano que tinha uma tasca e recebe a visita de um lisboeta que perguntou se ali também serviam cachorros.
“Ó amigo, nós aqui servimos toda a gente”, respondeu o alentejano.»
Para acabar, dedico esta a Maitê Proença:

«Uma actriz brasileira escarneceu certo dia na presença de um ilustre português. “O vosso país é tão estreito! Quando se levanta uma lebre, onde a vão apanhar?” Resposta imediata do português: “Ao Brasil, minha Senhora!”»

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Pactos de Regime

Na crónica anterior abordei a importância da estabilidade política para o desenvolvimento das sociedades, mas não cuidei de apresentar nenhuma solução para esse problema. Para o regime político português, a meu ver, a melhor solução seria a maioria absoluta, quer de um só partido ou em coligação, mas os resultados eleitorais últimos ditaram uma maioria relativa e, não se vislumbra nenhuma coligação.
Como garantir então a estabilidade política e a governabilidade do país, para evitar constantes ziguezagues que inviabilizam a solução dos problemas?
Estes últimos 36 anos após o 25 de Abril, recuámos talvez uns 40 em relação a Espanha, e na altura da Revolução dos Cravos estávamos à frente do país vizinho. E isto sobretudo porque, enquanto a Espanha teve um Chefe do Estado e quatro chefes do Governo e apenas três chefes de Governo a partir de 1982 – Felipe González, José Maria Aznar e José Luis Zapatero – com grande destaque para o primeiro, Portugal teve cinco Chefes do Estado – António Spínola, Costa Gomes, Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva – e, - pasme-se! – 18 governos. E cada Governo que entra em funções tem por hábito pôr em causa o trabalho feito pelo Governo cessante. Parece até ter como ponto de honra fazer as coisas de outra maneira – para tornar claro que o Governo anterior era mau e que a mudança era necessária e, por isso, valeu a pena a mudança, a ruptura.
É evidente que, deste modo, é impossível atingir quaisquer objectivos. Está-se sempre, a partir do zero. O único modo de remediar isto é através da concretização de pactos de regime que garantam políticas de continuidade em certos sectores. Os partidos políticos têm a obrigação perante o país de dialogarem uns com os outros, têm de pôr de lado não aquilo que os divide, mas o que eventualmente os possa unir. O rumo errático em que Portugal se depara – colapso da economia, desemprego galopante, aumento do défice, perda de competitividade, etc., – obriga a chamada à responsabilidade de todos os partidos políticos com assento parlamentar. Não basta à oposição criticar e obstar as políticas que urgem ser implementadas, sob pena de agravar o nosso atraso em relação aos países da zona euro.
A educação está neste caso: não se pode andar a mudar constantemente de política educativa. A saúde está neste caso. A justiça também. E noutras áreas mais circunscritas – como a redução do défice orçamental, quanto a mim, um dever absolutamente decisivo para o futuro do país.
Elige viam optimam [Grynaeus] – Escolham o melhor caminho.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A importância da estabilidade política

O resultado das últimas eleições legislativas ganhas pelo Partido Socialista com maioria relativa, aliado ao arrufo político - institucional entre Governo e Presidente da Republica, suscita algumas preocupações – fundamentadas – dos analistas e comentadores sobre a governabilidade futura e a estabilidade política do país. Muitos prognosticam que este Governo não vai completar esta legislatura e, é bem provável que tenham razão. Desde o 25 de Abril apenas um Governo de maioria relativa – o primeiro de António Guterres – conseguiu completar uma legislatura. E, certamente ainda está presente na memória dos Portugueses a negociação com o deputado Daniel Campelo para que um Orçamento de Estado pudesse ser aprovado na Assembleia da Republica.
Defendo que a melhor solução dentro do nosso regime político são as maiorias absolutas, pois, será a forma mais eficaz do Governo pôr em prática o programa eleitoral sufragado pelos Portugueses. Porém, as maiorias absolutas devem ser legitimadas a políticos competentes, humildes, com apego à «causa pública», de não governar para as estatísticas nem pensar na manutenção do poder, agir segundo o postulado do imperativo categórico do filósofo Immanuel Kant. Julgo que não temos no panorama político partidário pessoas com tais virtudes, porque os próprios partidos políticos fecham-se ao exterior, afastando os mais competentes, sonegando as vozes daqueles que pensam por si, que são independentes, com excepção das personalidades que têm peso político, Manuel Alegre é um exemplo paradigmático.
Há quem pergunte se a estabilidade é um fim ou um meio – com a intenção óbvia de concluir que, sendo apenas um meio, pode e deve ser posta em causa sempre que valores «mais altos» se levantem. Esta forma de colocar o problema é falaciosa. A verdade é que, como a História abundantemente mostra, sem estabilidade política não se constrói nada. Assim, apesar de ser um meio, a estabilidade é um requisito indispensável para atingir qualquer objectivo. É a base sobre o qual se edifica o desenvolvimento político e económico. Sem estabilidade política, estamos sempre a voltar ao princípio. Ao ponto de partida.

Vamos supor que o caminho de Lagos até ao Porto é o objectivo do Governo, o seu programa eleitoral. E, para isso, o Governo põe em prática um certo número de medidas políticas para lá chegar. Alcançado o ponto A verifica que o caminho traçado foi errado, as medidas tomadas não foram as melhores para atingir o objectivo pretendido – que é chegar ao Porto. Normalmente o que acontece em Portugal, é fazer tábua rasa do tudo quanto se fez e começar de novo, voltar ao ponto de partida. Mas chegando ao ponto B conclui-se novamente que estas medidas ainda não são suficientes para chegar ao Porto, e com o ponto C passa-se a mesma coisa. Continuamos no ponto de partida, sem que nada se tenha construído, gastou-se tempo, recursos, medidas avulsas, expectativas frustradas e ficou tudo na mesma, nalguns casos poderemos até regredir: ao invés de ficarmos em Lagos ficamos sem rumo e sem norte a ver navios ao largo de Marrocos.
Sem estabilidade política, sem medidas de continuidade, com sucessivas quedas de Governos antes do final dos seus mandatos, o progresso do país gangrena. Repare-se que nos últimos cento e nove anos, em Democracia, apenas três mandatos foram concluídos, isto é, 12 anos de estabilidade em regime democrático – na 1ª república não houve nenhum Governo que levasse um mandato até ao fim, nem sequer a meio.

Ao contrário das políticas de ruptura, as politicas de continuidade não desmancham tudo quanto foi feito, corrige-se. Assim, chegando ao ponto A e tendo noção que esse não é o melhor rumo para chegar ao Porto, fazemos uma correcção na trajectória em direcção ao ponto B. Mesmo assim, se não for suficiente, corrigimos novamente até ao ponto C.
Ao fim de algumas correcções de percurso sem voltar ao ponto de partida, chegámos ao Porto, atingimos o nosso objectivo – quando no exemplo anterior, ao fim do mesmo tempo estávamos muitíssimo longe, ainda estávamos em Lagos. Isto ilustra de forma rudimentar as enormes vantagens das políticas de continuidade sobre as politicas assentes em constantes rupturas – palavra mais usada nos discursos políticos de Francisco Louçã. As rupturas, em política, são por vezes necessárias, mas devem ser entendidas como situações excepcionais. É errado mudar tudo quando muda a maioria no poder: em muitos casos, o que se perde, é muito mais do que se ganha, mesmo admitindo que se ganha alguma coisa, o que frequentemente não acontece. A mudança radical sempre que o Governo muda, significa o continuo regresso ao ponto de partida, o permanente retorno à estaca zero. Ora, a evolução e o progresso só se dão, acrescentado valor ao que existe.
O grande problema nacional é que salta de revolução em revolução sem conseguir encontrar um rumo – e volta sempre ao princípio. O país não aposta no esforço contínuo, na pedra posta em cima de outra pedra, mas na ruptura que deita tudo abaixo. Foi a revolução republicana – que nos propunha uma República redentora. Foi o 28 de Maio – que afirmou o primado da ordem. Foi o 25 de Abril – que apontou como remédio a democracia. Mas os problemas do país parecem ser sempre os mesmos.
O que nos falta, em grande parte, é o sentido da continuidade – que só a estabilidade permite. Em ambiente de instabilidade não se investe, não se criam hábitos de convivência política, o ambiente é de desconfiança. Os investidores não se sentem estimulados a investir por falta de confiança – esta evidência é leccionada em qualquer curso que tenha a disciplina de Introdução à Economia. Os investidores e os empresários são levados a esperar por melhores dias, por novos Governos ou outra estabilidade política. Por outro lado, como se parte do princípio de que o Governo não irá durar um mandato completo, a oposição é estimulada a agitar-se para conseguir derrubá-los antes de tempo – mormente através da influência que o Partido Comunista Português tem nos sindicatos, como se isso não bastasse, temos tido nos últimos nove anos a demagogia tresloucada de Francisco Louçã.
Ou seja: a instabilidade atrai instabilidade. E o mesmo vale para os partidos e os poderes autárquicos: como se calcula que os lideres não conseguirão cumprir os mandatos completos, os opositores internos agitam-se para os derrubar a meio dos mandatos. E assim sucessivamente, entra-se num ciclo vicioso. Não é difícil perceber que a instabilidade política fomenta a todos os níveis a deslealdade, oportunismo, o aventureirismo. E, como não se sabe qual irá ser o dia de amanhã, aquilo com que se poderá contar, cai-se no imediatismo, no tacticismo puro e desleal. Tudo se esgota no momento, não se pensa a prazo, não se planeia o futuro – porque o futuro não existe, não está no horizonte dos políticos.
Os Governos são tentados a pôr em prática medidas de curtíssimo prazo, porque nunca sabem se chegarão ao fim do período para o qual foram eleitos. No melhor dos casos projectam a sua acção para vencer as próximas eleições. Isso impede as políticas de longo alcance assentes numa visão ulterior, de grande escala, não comprometida nem dependente da circunstância.
Como escrevia um autor americano «os ciclos eleitorais tornam as opções estratégicas míopes»