quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Belmiro de Azevedo



A noticia do falecimento de Belmiro de Azevedo não sendo totalmente inesperada recebi-a com enorme tristeza.
Fui colaborador dele na Sonae durante onze anos seguidos e três como fornecedor de serviços. Como colaborador privei com Belmiro algumas vezes e a imagem que tenho dele é a de um extraordinário homem, uma inteligência e carisma desarmante, uma simplicidade sem limite, de enorme carácter e uma pessoa extremamente frugal.
Partilho um acontecimento ocorrido no verão de 2004. Belmiro de Azevedo costumava passar o mês de férias de agosto no Algarve, na cidade de Lagos onde tinha um belíssimo apartamento no último andar do Hotel Aqualuz. Nesse ano Belmiro teve necessidade de enviar alguns faxes para a sua secretária no Porto (tenho memória de se chamar Cristina).
Belmiro de Azevedo não era utilizador das novas tecnologias, era mais conservador, e era incómodo deslocar-se à receção do hotel para enviar faxes no âmbito da sua atividade profissional. A solução encontrada por um colaborador próximo foi adquirir na Worten de Portimão uma impressora multifunções com fax incorporada.
Na ausência de pessoal técnico da Sonae (Mainroad), a pedido da minha chefia direta desloquei-me a Lagos para resolver o problema de um dos homens mais poderosos de Portugal.
Apesar de não ser nenhum entendido em impressoras ou em telecomunicações desloquei-me a Lagos para resolver o problema. O apartamento do Belmiro não tinha linha telefónica analógica para que o fax pudesse funcionar. Ao fim de algum tempo informei-o que o fax não podia funcionar a menos que se instalasse uma linha analógica. A resposta de um homem tão rico e poderoso foi totalmente inesperada.
“Pagar uma linha analógica à PT durante um ano inteiro quando apenas necessito por um período de um mês? Nem pensar!”.
Inicialmente ficou entediado com colaborador que lhe “vendeu” a ideia, mas passados alguns minutos propus-lhe uma solução com aqueles equipamentos sem recorrer à instalação de uma linha analógica. Propus-lhe que digitalizasse os documentos para o computador e os enviasse por email à sua secretária. Foi uma novidade para ele, mas ficou bastante agradado com a solução e assim ficou.
Estivemos cerca de quatro horas à conversa. Falámos de tudo um pouco de coisas e gostos em comum. Falámos muito da cidade de Lagos e a sua envolvência, onde estudei um ano, joguei futebol, vivi muito da minha juventude até à passagem adulta e conhecia. Falámos sobre o estado do país, ainda na ressaca da saída de Durão Barroso para a Comissão Europeia e o Governo de Pedro Santana Lopes. Conversámos sobre filosofia, história, enfim de tudo um pouco. Um falante e ouvinte absolutamente extraordinário, quase hipnótico.
Belmiro tinha o que tinha pelo que era. Não era o que era pelo o que tinha.
Não tenho dúvidas que seria capaz de reerguer o império se tivesse chegado à miséria ou despojado como outros empresários foram pós 25 de abril.
Tive a experiência de privar com um dos homens mais poderosos de Portugal, nessa tarde em que falámos horas parecia que éramos amigos de longa data. Somente os dois, e deixámo-nos levar pelo rumo que a conversa foi tomando.
Ele agradeceu-me não só pela resolução do problema, mas acima de tudo pela conversa e companhia.
Pode parecer estranho, mas nunca mais esqueci aquela tarde, nunca mais esqueci a forma como Belmiro se entregou à curiosidade da minha pessoa e de como nos ouvimos um ao outro. E ouvi com muita atenção valorosos conselhos.


Gratias tibi ago- Muito obrigado

                                                                                     Lisboa, 30 de novembro de 2017
                                                                                                   José M. T. Gomes