A noticia do falecimento de Belmiro
de Azevedo não sendo totalmente inesperada recebi-a com enorme tristeza.
Fui colaborador dele na Sonae durante
onze anos seguidos e três como fornecedor de serviços. Como colaborador privei
com Belmiro algumas vezes e a imagem que tenho dele é a de um extraordinário homem,
uma inteligência e carisma desarmante, uma simplicidade sem limite, de enorme
carácter e uma pessoa extremamente frugal.
Partilho um acontecimento ocorrido
no verão de 2004. Belmiro de Azevedo costumava passar o mês de férias de agosto
no Algarve, na cidade de Lagos onde tinha um belíssimo apartamento no último
andar do Hotel Aqualuz. Nesse ano Belmiro teve necessidade de enviar alguns
faxes para a sua secretária no Porto (tenho memória de se chamar Cristina).
Belmiro de Azevedo não era
utilizador das novas tecnologias, era mais conservador, e era incómodo
deslocar-se à receção do hotel para enviar faxes no âmbito da sua atividade
profissional. A solução encontrada por um colaborador próximo foi adquirir na Worten
de Portimão uma impressora multifunções com fax incorporada.
Na ausência de pessoal técnico da
Sonae (Mainroad), a pedido da minha chefia direta desloquei-me a Lagos para
resolver o problema de um dos homens mais poderosos de Portugal.
Apesar de não ser nenhum entendido
em impressoras ou em telecomunicações desloquei-me a Lagos para resolver o
problema. O apartamento do Belmiro não tinha linha telefónica analógica para
que o fax pudesse funcionar. Ao fim de algum tempo informei-o que o fax não podia
funcionar a menos que se instalasse uma linha analógica. A resposta de um homem
tão rico e poderoso foi totalmente inesperada.
“Pagar uma linha analógica à PT
durante um ano inteiro quando apenas necessito por um período de um mês? Nem
pensar!”.
Inicialmente ficou entediado com
colaborador que lhe “vendeu” a ideia, mas passados alguns minutos propus-lhe
uma solução com aqueles equipamentos sem recorrer à instalação de uma linha
analógica. Propus-lhe que digitalizasse os documentos para o computador e os
enviasse por email à sua secretária. Foi uma novidade para ele, mas ficou
bastante agradado com a solução e assim ficou.
Estivemos cerca de quatro horas à
conversa. Falámos de tudo um pouco de coisas e gostos em comum. Falámos muito
da cidade de Lagos e a sua envolvência, onde estudei um ano, joguei futebol,
vivi muito da minha juventude até à passagem adulta e conhecia. Falámos sobre o
estado do país, ainda na ressaca da saída de Durão Barroso para a Comissão
Europeia e o Governo de Pedro Santana Lopes. Conversámos sobre filosofia, história,
enfim de tudo um pouco. Um falante e ouvinte absolutamente extraordinário,
quase hipnótico.
Belmiro tinha o que tinha pelo que
era. Não era o que era pelo o que tinha.
Não tenho dúvidas que seria capaz de
reerguer o império se tivesse chegado à miséria ou despojado como outros
empresários foram pós 25 de abril.
Tive a experiência de privar com um
dos homens mais poderosos de Portugal, nessa tarde em que falámos horas parecia
que éramos amigos de longa data. Somente os dois, e deixámo-nos levar pelo rumo
que a conversa foi tomando.
Ele agradeceu-me não só pela resolução
do problema, mas acima de tudo pela conversa e companhia.
Pode parecer estranho, mas nunca
mais esqueci aquela tarde, nunca mais esqueci a forma como Belmiro se entregou à
curiosidade da minha pessoa e de como nos ouvimos um ao outro. E ouvi com muita
atenção valorosos conselhos.
Gratias tibi ago- Muito obrigado
Lisboa,
30 de novembro de 2017
José
M. T. Gomes