terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Quem oculta a «Face Oculta»?

Nunca em Portugal tivemos um primeiro-ministro abarcado em tantos casos e escândalos como José Sócrates. Os casos que envolvem o primeiro-ministro sucedem-se em catadupa, assim que acaba um, logo a seguir surge outro, e assim sucessivamente: desde a controvérsia licenciatura, aos projectos da Cova da Beira, passando pelo Freeport, etc., apanhamo-lo agora em várias conversas com Armando Vara suspeito no escândalo «Face Oculta».
Em todos estes casos há um denominador comum: a vitimização do primeiro-ministro em relação à oposição, acusando-a de espionagem e insidia politica.
Não sou advogado, não sou jurista nem magistrado. Por imperativo académico tenho uma visão panorâmica daquilo que é o Estado e o Direito, e parece-me que há esclarecimentos a prestar à opinião pública sobre as escutas que envolveu José Sócrates e Armando Vara.
Todavia, é preciso tomar consciência que a sociedade mediática está a instituir novos tribunais populares, em que os julgamentos se realizam nos jornais, nas televisões, blogues, etc., em que os comentadores funcionam como advogados de acusação e defesa, e onde o juiz é o povo sedento de sangue – que normalmente condena e não absolve. Evitando cair nesses julgamentos sumários, verifico, no entanto, que desacertos grosseiros se vão cometendo com total complacência e impunidade. Mas o primeiro-ministro também não está acima da lei.
Armando Vara como suspeito no caso «Face Oculta» estava sob escuta e, por simples casualidade José Sócrates foi colhido em várias escutas durante vários meses, assim como seria outro cidadão que falasse com Vara. Segundo a interpretação de dois magistrados de Aveiro que conduziam o processo, as escutas continham informação susceptível de actos ilícitos de atentado ao Estado de Direito cometidos pelo primeiro-ministro. E, por esse motivo enviaram as escutas para o Procurador-geral da Republica, Pinto Monteiro, que as ouviu e posteriormente enviou-as para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha de Nascimento. O primeiro (nomeado pelo Presidente da Republica sob proposta do Governo) arquivou o processo com celeridade extraordinária para a justiça portuguesa, o segundo considerou as escutas inválidas.
Se não houvesse indícios fortes de algum ilícito, haveria motivo para tanta vozearia?
Alguém acredita que a oposição tem como desígnio forjar e manipular a justiça contra o primeiro-ministro?
Alguém acredita que os magistrados do poder judicial estão ao serviço da oposição, com a intenção de derrubar o primeiro-ministro?
Eu não acredito!
A reacção às acusações do núcleo duro de José Sócrates, de alguns notáveis socialistas (como Mário Soares, Almeida Santos, Manuel Alegre, etc.) e de alguns idiotas úteis são surpreendentes: para estes correligionários o Todo-Poderoso primeiro-ministro é impoluto, insigne, uma vítima política e, por isso, tem de ser defendido, e o limite é o absurdo; vêm a terreiro dar o corpo às balas em sua defesa; e acusam com a maior desfaçatez a diatribe insidiosa e o aproveitamento político da oposição.
Algumas dessas afirmações lançam suspeitas inaceitáveis à justiça, sendo uma ingerência à separação de poderes, um dos maiores pilares de um Estado de Direito Democrático.
A defesa do primeiro-ministro nestes trâmites é, por isso, aberrante e arrebatada, o debate de sexta-feira na Assembleia da Republica é bem paradigmático.
Com tantos casos a envolver o nome do primeiro-ministro e justificações a trouxe-mouxe e desastradas, é normal que paire a desconfiança em relação ao seu carácter. Acresce ainda, que José Sócrates mentiu no exercício das suas funções de primeiro-ministro na Assembleia da Republica. Quando questionado se sabia da negociação entre a PT e a Prisa no caso TVI mostrou surpresa e afirmou nada saber sobre o assunto. E quando Manuela Ferreira Leite assegurou não ser possível o desconhecimento do primeiro-ministro sobre o negócio, todos lhe caíram em cima, e afinal, ela tinha razão.
A publicação das escutas parece-me abusiva, nem tão-pouco pretendo escutar conversas privadas entre dois cidadãos. Mas, quer o presidente do Supremo Tribunal de Justiça quer o procurador-geral da República não cumpriram, um preceito constitucional que tem muita importância: o artigo 48º da Constituição. Ora, esta situação não foi cumprida pelas mais altas instâncias do sistema de justiça – Pinto Monteiro e Noronha de Nascimento. Ainda vão a tempo de dar uma explicação cabal à opinião pública sobre o que fizeram, e porque o fizeram, sem terem de violar o segredo de justiça ou publicar o teor das escutas. Podem perfeitamente explicar tudo o que não implique a violação do segredo de justiça salvaguardando os mais elementares direitos individuais – a privacidade.

CAPÍTULO II
Direitos, liberdades e garantias de participação política
Artigo 48.º
(Participação na vida pública)

1. Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos.
2. Todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos.
PS – O silêncio do Presidente da Republica, o garante do normal funcionamento das instituições democráticas é ensurdecedor!

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