segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O Milagre dos Pastorinhos & o Culto de Fátima

Advertência: quando criei este blogue, afirmei ser um espaço aberto, onde se pudesse escrever livremente sem quaisquer tipos de restrições, mas sempre, e acima de tudo, balizado dentro dos escrupulosos limites do respeito individual. Pois, por isso mesmo, dada a seriedade com que encaro os assuntos religiosos na sua sensibilidade e respeitando a crença e o credo de cada ser humano, faço o apelo a quem é crente, – principalmente devoto a Nossa Senhora de Fátima – que não leia este artigo, para evitar qualquer tipo de mágoa na sua sensibilidade espiritual.

Comemorou-se no dia 13 de Outubro de 2007, 90 anos da – suposta – aparição de Nossa Senhora de Fátima aos Pastorinhos – Lúcia Jesus, Francisco Marto e Jacinta Marto. Estas comemorações têm estado absortas no controverso processo de canonização dos Videntes pelo Vaticano. A canonização é o processo de elevar os Videntes à condição de Santos – passo seguinte à beatificação de Francisco e Jacinta Marto, no dia 13 de Maio de 2000, por ocasião da 3ª visita de João Paulo II a Fátima –, reconhecidos pelo Vaticano e pela Igreja. A grande diferença da beatificação e a canonização é o local e o reconhecimento da veneração do culto público: enquanto no primeiro caso o culto público ao Beato apenas é permitido pela Igreja nos locais onde viveu; no segundo caso a veneração pública passa a ser Universal, podendo ser manifestado o culto ao Santo em qualquer parte do mundo, com o reconhecimento do Vaticano.

Mas fará algum sentido a manifestação da veneração pública do culto dos Videntes de Fátima, num outro local que não Fátima?
Talvez não faça! Seja como for o processo de canonização está a causar algum rubor na opinião pública em geral e dos crentes em particular. Surgiu na agência LUSA – um dos órgãos de comunicação mais isentos, sérios e objectivos na publicação dos acontecimentos – uma notícia publicada no dia 10 de Outubro de 2007, pelas 09:06 da manhã, que é um autêntico manancial de boçalidades, ridículas e estúpidas, que se eu fosse crente, no mínimo reflectiria sobre as mesmas. Mais à frente aprofundo o meu ponto de vista.

Agência LUSA:

«Fátima 90/Anos: Médicos do Vaticano insatisfeitos com milagre que sustenta canonização dos Pastorinhos (10-10-2007 às 09:06).
Os peritos médicos do Vaticano estão insatisfeitos com o alegado milagre que sustenta o processo de canonização dos Pastorinhos e vão pedir novos dados ou que seja instruída outra graça, disse fonte do processo à agência Lusa.
Os problemas de validação de alegado milagre que envolve os Pastorinhos Francisco e Jacinta Marto têm sido muitos e agora a hierarquia pondera estudar um novo caso para garantir o sucesso do processo de canonização.»
(SIC) – A insatisfação não deve ser exactamente a do milagre preconizado pelos Pastorinhos, mas antes a falta dele. Com a visível dificuldade do Vaticano em «provar» o alegado milagre, consideram a hipótese de atribuir uma outra «graça», para que os Pastorinhos sejam considerados Santos através da canonização – fantástico! Com o carecimento de sustentação de milagres passados, projectam-se milagres futuros.

«Nos últimos meses, os peritos médicos indicados pela comissão Pontifica para a Causa dos Santos têm pedido aos médicos indicados pela Diocese de Leiria/Fátima muitas informações sobre uma alegada cura miraculosa de diabetes.
A possibilidade de ser um tipo curável está a levar os médicos do Vaticano a duvidarem da origem divina da cura já que, para ser considerado um milagre, é necessário que a doença não tenha intervenção humana ou natural.» (SIC)
– Deduzo então que para o Vaticano, os avanços científicos na medicina são um embaraço para os «Milagres» – e são mesmo!

«A beatificação dos Pastorinhos foi sustentada num primeiro milagre, que envolveu uma mulher de Leiria, Maria Emília Santos, que voltou a andar alegadamente por intercessão dos dois videntes de Fátima.
Para a canonização, ou seja, para a Jacinta e Francisco – primos da Irmã Lúcia – possam ser considerados santos e motivo de devoção em toda a Igreja, é necessária uma segunda graça.»
(SIC) – Mas, como é que se sustenta um milagre? Um milagre é uma bênção Divina, ou é a falta de uma resposta racional e científica? E, porque razão se atribui os milagres aos pastorinhos e não a outra pessoa qualquer? Se eu fizer uma prece ao Marquês de Pombal e, se ela for concretizada, devo deduzir que o marquês de Pombal faz milagres?

«O processo de canonização foi aberto devido a um segundo milagre, alegadamente verificado durante a cerimónia de beatificação dos Pastorinhos, em Maio de 2000, e que envolvia uma criança doente com diabetes.
Na ocasião, a mãe, emigrante portuguesa na Suíça, segurou o filho enquanto assistia, pela televisão, às cerimónias da beatificação presididas por João Paulo II.»
(SIC) – Afinal, a tecnologia e a ciência são benignos para a religião! Se o Homem não tivesse inventado a televisão este milagre não teria acontecido, mas que absurdo tão néscio!

«D. António Marto, bispo de Leiria/Fátima, reconhece que "tem estado difícil" concluir o processo de canonização dos Pastorinhos devido às questões técnicas levantadas pelos médicos de Roma.
O facto de a diabetes ser uma doença congénita e de existirem casos de evolução favoráveis, mesmo sem intervenção de medicamentos, está a causar alguns problemas na avaliação do caso, disse fonte ligada ao processo.
"Enquanto não se provar a verdade cientificamente", o milagre não pode ser validado pela hierarquia, reconhece o bispo, que admite a possibilidade de a diocese ter de procurar outra graça e desistir deste caso.
"Pode acontecer, mas isso não me preocupa, porque a Providência Divina encarregar-se-á disso", justificou o prelado, considerando que para o povo os "pastorinhos já são santos".»
(SIC) – Então se os pastorinhos já são Santos, qual o motivo da obstinação para a sua canonização?

«Inicialmente, o processo de canonização estava a correr bem, como chegou a afirmar o Prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, o cardeal português Saraiva Martins, mas o tipo de cura não é consensual entre os médicos, obrigando a várias perícias que podem levar a diocese a procurar outra graça para sustentar o pedido de elevação dos Pastorinhos aos altares.
Se os médicos concluírem que a cura não tem explicação cientifica o processo passa ao exame dos teólogos que irão avaliar se foi mesmo a intercessão dos Pastorinhos que permitiu a cura.»
(SIC) – Para concluir, os milagres têm a validação do contraditório racional através do método científico.
Todo o dédalo à volta dos pastorinhos de Fátima – e da religião em geral mas, vou aludir somente a Fátima –, germina de três conceitos que gostaria de reflectir um pouco: Milagre, Fé e Santos (divindade).

A é a lei, a crença religiosa, é uma convicção de cariz idiossincrático que diz respeito a cada ser humano. É dogmática, pois não necessita de qualquer tipo de confirmação exterior ao indivíduo para a sustentar e, é também uma relação puramente individual e manifesta-se do interior para o exterior. Sendo por isso, absurdas as tentativas da revalidação da Fé por acontecimentos corpóreos, quando ela pertence ao campo metafísico.

A definição de Milagre que vem no dicionário português é: «um evento sobrenatural, cuja origem não se pode explicar», logo, não se pode atribuir o acontecimento dum milagre a este ou àquele Santo. Como eu não acredito no «sobrenatural», para mim, um milagre não é mais do que a incapacidade do Homem em explicar e compreender o mundo que o rodeia.

Os Santos são pessoas que pela sua dedicação a Deus em vida, ou por algum outro acontecimento que os aproximou de Deus, foram salvas por Ele e, conquistam assim um carácter de Divindade e um lugar no céu – eu estou completamente perdido.

A minha dissertação do Silogismo Paradoxal dos Santos é um exercício de reflexão e racionalidade da impossibilidade da existência de qualquer Santo. Creio que a filantropia, o altruísmo e o apreço à humanidade são das mais nobres características e virtudes humanas mas, deificar (canonizar) pessoas com carácter sagrado penso que é desmesurado e imerecido no domínio da física e da metafísica. Baseei-me nestas duas premissas para produzir a tese do Silogismo Paradoxal dos Santos, em que «provo» a sua inexistência.

Primeira premissa, é desmesurada no campo da física porque: não há ninguém que não tenha defeitos; não há ninguém que não cometa erros (pecados); não há ninguém que seja perfeito; a perfeição não é uma condição humana, mas sim uma utopia transcendental que provém duma natureza radicalmente superior da qual o ser humano não faz parte. Assim sendo, não há nenhum ser humano que por maiores que sejam as suas virtudes seja revestido dum carácter sagrado. Logo, esta primeira premissa refuta o carácter Divindade e a legitimação da canonização de pessoas.

Segunda premissa, é injusto no domínio da metafísica a divinização de pessoas porque: para se chegar a Santo, é imperioso dedicar a vida a Deus, só assim se pode ser absolvido de todos os pecados (validando a primeira premissa). O caminho da dedicação da vida a Deus, realiza-se através da Fé. Ora, a Fé, é uma bênção concebida por Deus. Contudo, a Fé não atinge todos os seres humanos – eu por exemplo, não fui contemplado por essa graça divina. Mas, Deus é «Perfeito», então não pode ser a Fé o motor da dedicação e abstinência a Deus, porque a Fé não poderá vir de Deus mas da idiossincrasia de cada ser humano. A Fé não é emanada de Deus! Quero com isto dizer que a dedicação a Deus vem do âmago (produzido no interior para o exterior) de cada um, é gerado pelas pessoas, umas produzem-na e alimentam-na através do culto, outras não. Concluo então que não pode haver Santos canonizados pelo Homem (ser imperfeito), quando o instrumento (Fé) para se chegar a Deus (absolvição dos pecados terrenos) não é uma emanação de Deus, mas sim do Homem, logo não pode ser Divinizado.

Obviamente que esta tese que produzi sobre o Silogismo Paradoxal dos Santos, provavelmente é valorativa apenas para mim mas, foi a forma racional que arquitectei para fazer um Reductio ad absurdum – Redução ao absurdo, da canonização dos Pastorinhos de Fátima. Que quanto a mim, é uma idolatria, um culto pagão que não tem qualquer relação com o cristianismo, que é uma religião monoteísta e que adora Jesus Cristo.

No dia 13 de Outubro de 2007, comemoraram-se então, os 90 anos das aparições da Nossa Senhora Fátima aos pastorinhos. Quando estavam três crianças no campo a brincar, a Nossa Senhora Fátima decidiu aparece-lhes para transmitir uma mensagem ao mundo, que demorou 89 anos a ser revelada. Se essas aparições fossem nos dias de hoje, certamente a Nossa Senhora Fátima era acusada de exploração de trabalho infantil. Não tem pés nem cabeça as aparições acho mesmo um autêntico disparate e um absurdo dissonante.
Mas, podemos meditar um pouco o contexto histórico, social e económico da época:
  1. A proclamação da República Portuguesa foi no dia 5 de Outubro de 1910, portanto sete anos antes das aparições de Fátima e, teve enormes repercussões na relação do Estado e da Igreja;
  2. No dia 20 de Abril de 1911, foi publicada a «Lei de Separação da Igreja e do Estado em Portugal», promulgada pelos Ministros de todas as Repartições (Joaquim Teófilo Braga, António José de Almeida, Afonso Costa, José Relvas, António Xavier Correia Barreto, Amaro de Azevedo Gomes, Bernardino Machado, Manuel de Brito Camacho); consagrando assim, a laicização do Estado, reconhecendo a Igreja como uma instituição privada, sem qualquer apoio financeiro do Estado.
  3. A República Portuguesa foi bastante vigorosa na oposição à Igreja, proibiu as leituras pastorais dos Bispos, mesmo no interior das igrejas, posição que não foi aceite, tendo mesmo o Vaticano cortado relações com o Governo de Portugal;
  4. As convulsões socais em Portugal eram enormes, como atestam, os doze Governos e os cinco presidentes da Republica entre 1910 e 1917 (ano das aparições);
  5. A participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial – com enorme drenagem de mão-de-obra jovem para a guerra –, teve consequências trágicas na galopante escalada da inflação e, no fraco crescimento económico provocado pela falta de mão-de-obra;
  6. Portugal, perante esta conjuntura precisava mesmo era dum Milagre.

Não sei, se as aparições foram um logro ou, uma psicopatia colectiva, cada qual faça o seu próprio juízo.

A manifestação da Fé está no interior de cada um, não é necessário forjar «provas», assim como, a ausência de Fé. Todas as convicções têm de ser respeitadas. Esta crónica não pretende fazer o exercício da desacreditação da Fé mas, somente uma reflexão sobre os cânones doutrinários da Igreja e, dos folclores das aparições e milagres provados do Santo A ou B.

Se eu afirmar que o Santo António esteve comigo na passada semana no Parque das Nações, alguém acreditaria? Será verdade ou mentira? Obviamente que é mentira. Será que nós temos capacidades de conhecer o absoluto ou, apenas a nossa própria realidade sensível que não é a realidade Universal? Por exemplo, um daltónico não vê realidade como os outros, o que ele vê não é verdadeiro? Ou, será apenas para ele e não para os demais? Teremos nós que ver como ele?
Outro centro de polémica tem sido a inauguração da Nova Igreja da Santíssima Trindade, que custou cerca de 80 milhões de Euros (16 milhões de contos na moeda antiga). E depois? Qual é o problema do custo da Igreja? Não foi financiada pelo Estado. Não teve custos para os contribuintes. Foi paga exclusivamente pelo dinheiro dos fiéis. Não vejo motivo nenhum para levantar tanta celeuma à volta da Igreja, aliás, acho mesmo – sem ironia –, que é um bom investimento para a posteridade. São as obras e os saberes que o Homem lega às gerações vindouras.
Apesar de são ser religioso, sou um homem racionalista, agnóstico e ateu, aliás sou ateu, porque sou agnóstico – eu sei que é paradoxal e contraditório, mas faço a explanação noutra altura –, sinto uma enorme força poética, além do valor arquitectónico, por exemplo: no Mosteiro de Alcobaça ou, no Mosteiro da Batalha ou, nos Jerónimos, Mafra; enfim há tantos monumentos religiosos que são apreciados independentemente dos credos e crenças, portanto, acho aquela obra um factor afirmativo tanto para os fiéis com para outros – onde me incluo.

O Fenómeno de Fátima como mensagem de Paz, julgo que é positivo, para além de ser um local de peregrinação e turismo mundial, deve ser, e acima de tudo: um porto de abrigo introspectivo de cada ser; um local que revogue as fronteiras que separam os Homens; e onde cada um encontre o «seu» lugar.

Quod scripsi, scripsi - O que escrevi, escrevi.

Lisboa, 15 de Outubro de 2007

1 comentário:

  1. concordo contigo, Zé...
    ...acho que no último paragrafo resumes a minha ideia de fátima pois também não sou religioso e muito menos acredito em santos ou que alguma vez tenha Havido algum milagre...
    ... no entanto, assumo a minha "educação/formação" cristã, e acredito no homem e no querer mais do que em qualquer outra coisa...
    (tudo acontace quando o homem quer, e mais nada)
    ... em fátima vejo o conceito de virgem, e o conceito de Mãe, entendes...? algo que muito respeito.

    Miguel Castro

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