segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Autoridade e violência nas escolas

O vídeo colocado no sítio do «youtube», amplamente divulgado nos órgãos de informação impressionou a opinião pública e, transformou-se num dos maiores casos mediáticos da actualidade. Este vídeo divulga um incidente protagonizado entre uma aluna e uma professora pela disputa de um telemóvel no interior de uma sala de aula, na escola secundária Carolina Michaelis no Porto. A professora confiscou o telemóvel de uma jovem, ao que esta ripostou levantando-se bruscamente da cadeira exigindo a sua devolução de modo rude e histérico; «Dá--me o telemóvel já! Dá-me o telemóvel já!» vociferava a aluna numa falta de respeito intolerável (observável pelo tratamento por tu). A professora ordenou-lhe que se sentasse mas, a adolescente de 15 anos – com corpo de mulher, bem mais robusto que o da professora – ignorou a autoridade da docente agarrando-lhe o braço para lhe abrir a mão e recuperar o aparelho. Esta desavença foi filmada por um colega de turma para folia dos restantes, são audíveis no vídeo a excitação do aluno que está a filmar: «Sai da frente», «Afasta-te», «Ó gorda...», «A velha vai cair»...». É curioso que a professora tenha apresentado queixa da aluna e, da restante turma, somente depois deste caso ter sido difundido nos mídia! Mas, se as imagens impressionam pela sublevação arrebatada da jovem aluna em relação à autoridade da professora, o que dizer de outros vídeos perversos que circulam na Internet, como por exemplo, o espancamento selvático a uma jovem por seis raparigas e dois rapazes – colegas de escola –, uma barbárie sórdida e calculista?!

O impacto que este vídeo provocou na opinião pública contribuiu para a abertura de vários noticiários com a divulgação de mais vídeos de violência física no interior das escolas, assim como, a promoção de vários debates nas rádios, nas televisões, blogues, etc. De repente, instalou-se no país um contágio de histeria colectiva sobre o flagelo da falta de autoridade. Estes contágios de histeria transversais à sociedade infelizmente têm sido banais nos últimos anos, basta recordarmos por exemplo: o caso de pedofilia na Casa Pia, nos meses subsequentes não havia outro assunto que não fosse sobre pedofilia, com o aparecimento de novos casos, novos suspeitos, como se em cada esquina houvesse um pedófilo; outro exemplo é o caso “Madeleine McCann”, com notícias de múltiplos raptos, bastava andarmos na rua para percebermos o pânico dos pais em relação aos filhos, com medo que fossem raptados, como se a rua estivesse empestada de “papões”; a queda da ponte Entre-os-Rios é outro exemplo paradigmático da paranóia pública, com fiscalizações delirantes a quase todas as pontes, lançando o pavor aos automobilistas com suspeições e mais suspeições sobre o estado das pontes de norte a sul do país.

A violência nos jovens em geral é um assunto demasiado sério. Por isso, deve ser tratado e analisado com racionalidade e não de forma precipitada, demagógica e apaixonada, inflamada pelo imediatismo do caso, infelizmente isso não se tem verificado. Os partidos da oposição ao governo de José Sócrates aproveitam para criticar e culpabilizar as medidas do ministério da Educação e da sua ministra Maria Lurdes Rodrigues. O presidente do Conselho das Escolas – Álvaro Almeida dos Santos – quer proibir o uso e posse de telemóveis dentro dos estabelecimentos de ensino, à semelhança do que foi decretado na Grécia e em Espanha. Então, e o que dizer dos aparelhos MP3, e das playstations portáteis e outros aparelhos? Ora, proibir os telemóveis no interior das escolas é uma medida had-hoc desastrosa – qualquer dia proíbem-se os alunos de irem à escola! A democracia implica liberdade e responsabilização pela liberdade que se tem, a democracia envolve direitos e deveres dos cidadãos. É relativamente fácil governar em “ditadura”, basta proibir, mas a democracia é exactamente o contrário da proibição; por um lado, é a liberdade de se fazer tudo o que a lei permite, o que a lei não restringe; por outro lado, é o dever de respeitar a lei, as normas, as regras, para isso é necessário autoridade.

Tenho verificado alguma indignação, principalmente nas pessoas de mais idade que no seu tempo – referindo-se ao tempo de Salazar e Marcello Caetano – estas situações não se passavam, que era impensável um aluno insurgir-se contra a autoridade de um professor. Contudo, esta análise é ilusória: em primeiro lugar, não havia tantos estudantes como hoje, antes do 25 de Abril havia cerca de 230.000 estudantes, actualmente as escolas suportam mais de 1.800.000 alunos; em segundo lugar, os casos não tinham o eco na sociedade como têm hoje, pois, eram abafados pelo reitor e pelo regime da altura e, por outro lado não havia o impacto provocado pelas novas tecnologias; por último comparar a autoridade e a disciplina escolar num regime democrático e num regime ditatorial está-se a fazer uma lamentável confusão entre autoridade e autoritarismo. Propositadamente não referi a heterogeneidade das culturas e subculturas no universo estudantil, como muitas vezes erroneamente tem sido divulgado, porque a autoridade não deve fazer distinção de classe, género, etc., todos são iguais perante a lei, portanto, todos têm os mesmos direitos e, evidentemente os mesmos deveres.

Há um estigma na sociedade portuguesa quando se pronuncia a palavra autoridade. Esta cicatriz, intimamente associada aos quarenta e oito anos de regime autoritário que houve em Portugal, mas também, pelo discurso infectado de uma esquerda radical que se insurge veementemente contra o poder político – legitimamente eleito – a qualquer mudança, incutindo demagogicamente os perigos no regresso ao tempo do fascismo. De facto, penso, que as democracias têm medo de exercer a autoridade e, não devem temê-lo. Felizmente, não há nenhum registo na História da Humanidade, em que um país democrático tenha degenerado em ditadura por exercer autoridade mas, o contrário é frequente. Há inúmeros casos de democracias que degeneraram em ditaduras por não exercerem autoridade, por exemplo: o nazismo na Alemanha e o fascismo em Itália surgem por falta de autoridade dos governos e, em Portugal passou-se o mesmo, porque razão apareceu o Estado Novo? É uma pergunta que poucos portugueses fazem. A Revolução Republicana foi um desastre não trouxe nada de novo, nem desenvolveu as estruturas económicas do país, desde 1910 – Revolução republicana – até 1926 – Revolução Militar –, houve 45 governos e 8 Presidentes da Republica, a instabilidade impossibilitou a governação de Portugal, houve necessidade de tomar medidas drásticas e pôr ordem no país, essa foi a génese do Estado Novo.

Evidentemente que a aluna da escola Carolina Michaelis errou. Foi extremamente vil e mal-educada, cometeu um acto de indisciplina muito grave, disso não há dúvidas. A aluna encarou a professora como se de uma colega se tratasse e, a professora fez exactamente o mesmo, baixou ao nível dos seus educandos disputando fisicamente o telemóvel, uma docente que tenha autoridade não se comporta daquela maneira. Eu também já fui estudante liceal e, também cometi actos de indisciplina – quem não os cometeu? Mas, quando um professor(a) exerce a sua autoridade, é normalmente respeitado pelos alunos e, no limite, defendo o regresso da figura de um reitor ou, de um director ou, um provedor de disciplina para os casos de excepção.

A classe dos professores, ultimamente não tem dado um bom exemplo de subordinação e disciplina. A FENPROF – Federação Nacional Professores – manifesta-se por tudo e quase nada, não respeita as deliberações dos órgãos de soberania legitimamente mandatados pelo povo português, eleitos em eleições livres directas e universais. Como podem pois, os professores exigirem dos alunos o que eles próprios não fazem. A FENPROF é constituída por várias organizações sindicais, com muitos dos seus responsáveis alinhados ideologicamente à extrema-esquerda, de espírito revolucionário, que já não se usa num regime que tem uma democracia consolidada. Algumas manifestações baqueiam no ridículo, tem por um lado um cunho anti-democrático, porque quem se manifesta não são a maioria da população mas, uma minoria e os mais aguerridos, logo não representam a vontade da expressão do voto popular, por outro lado, pressiona o Governo a tomar medidas não para o país mas, para a sua classe, não as decisões do Governo mas, os seus desígnios. Numa das últimas manifestações de professore, em que pediam a demissão da ministra da educação, havia também alunos a vociferar para a ministra se demitir, uma luta que não é deles mas, dá para perceber o grau de promiscuidade que assola alguns professores e alunos, não todos evidentemente.

Os educadores (normalmente os pais) têm hoje muitas dificuldades em educar os seus filhos. Vivemos hoje num mundo a alta velocidade e, a emancipação da mulher contribui também para que os filhos passem muito menos tempo com os pais. Estes Largam-nos em frente aos televisores, às playstations, dedicam-lhes pouco tempo porque chagam a casa cansados do trabalho e, para os compensar permitem que os filhos cometam todo o tipo de excessos, são demasiado condescendentes. Querem ser os pais porreiros e encaram os filhos não como educadores mas, como colegas e, por vezes assiste-se os filhos, desde pequenos, a baterem nos pais com normalidade.

A solução deste problema não diz respeito nem é somente da capacidade do Governo mas, tem de ser repartida pelos alunos, pelos educadores, pelos professores, enfim pela sociedade em geral. Talvez os alunos sejam os mais inocentes, por isso têm de ser educados.

Non unum est imperandi genus; imperat princeps civibus suis, pater liberis, praeceptor discentibus, tribunus vel centurio militibus [Séneca] – Não existe uma única forma de comando; o príncipe governa os súbitos, o pai governa os filhos, o professor dirige os alunos, o tribuno comanda os soldados

Lisboa, 15 de Abril de 2008

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