segunda-feira, 20 de outubro de 2008

A Batalha de Aljubarrota

Faz hoje precisamente 623 anos que ocorreu a Batalha de Aljubarrota entre a zona de Leiria e Alcobaça, em que pôs frente-a-frente as tropas portuguesas chefiadas por Dom João I e o Condestável Dom Nuno Álvares Pereira, contra as tropas castelhanas. Segundo a crónica de Fernão Lopes a batalha começou à “hora de véspera”, isto significa depois das 18:00 horas do dia 14 de Agosto de 1385. Estou convencido que não há ninguém que nunca tenha ouvido falar desta célebre batalha.

A Batalha de Aljubarrota pôs termo à Crise de 1383-1385, e representa uma linha entre dois tempos completamente distintos, para trás ficou a época gótica e medieval, e Portugal entrou numa nova era: na época pré - renascentista, na hora Atlântica, instalando-se uma monarquia insigne em Portugal, a «Ínclita Geração». O grande escritor Luís de Camões dedica uma estrofe em «Os Lusíadas» ao rei Dom Fernando, escreve ele: “O fraco Rei faz fraca a sua forte gente…”. Na verdade o rei Dom Fernando foi um monarca bastante desastroso e com pouca virtude na arte de governar o país, Envolveu-se em três guerras com Castela e foram três autênticos desastres, Portugal ficou com a frota naval totalmente destruída. Entretanto a “Guerra dos Cem Anos” entre a França e a Inglaterra grassava por toda a Europa. A paz entre Portugal e Castela foi assinada praticamente nas condições impostas pelo rei castelhano – o Henrique II – em 1371 no Tratado de Alcoutim. Nesse tratado, entre várias cláusulas, o rei de Portugal comprometeu-se perante Henrique II a ser amigo do rei de França Carlos V, enquanto este fosse amigo daquele e, para garantia desse tratado obrigou-se a casar com a infanta de Castela D. Leonor filha do rei e irmã do futuro monarca Dom Juan I. Enquanto se faziam os preparativos para o casamento com a infanta, chegam à corte dois embaixadores vindos de Londres, do Duque de Lencastre, com uma proposta: Dom Fernando anulava o tratado de Alcoutim, não se casando com a infanta e deixava de ser amigo do rei de França. Em troca os ingleses ajudavam os portugueses na luta contra Castela e o próprio rei de Inglaterra Ricardo II vinha disputar o trono castelhano, e os portugueses só tinham a ganhar com isso. Um desses embaixadores era um galego muito arguto de seu nome João Fernandes Andeiro, mais conhecido pelo Conde Andeiro. O rei Dom Fernando aceita a proposta, muda de posição e, é quando se apaixona perdidamente por uma jovem lindíssima e de família ilustre: Leonor Teles de Menezes – tal como a infanta de Castela também é Leonor. Casaram e tiveram apenas uma filha, a Dona Beatriz. A crise de 1383-1385 surge no momento da morte do rei Dom Fernando em 1383. Com a morte do rei seria a filha a herdar o trono assim que atingisse a idade de 14 anos, até lá, a regência ficaria a cargo da rainha Leonor Teles de Menezes e, para ajudar na governação ela chama para junto de si o Conde Andeiro. O povo e a nobreza não aceitaram esta posição e houve uma enorme sublevação popular.

A rainha Leonor Teles de Menezes casou a sua filha infanta Beatriz de 11 anos com o rei de Castela Dom Juan I – subira ao trono em 1379 – e pede-lhe ajuda para subjugar a ira popular. É para defender os direitos da sua esposa que o rei Dom Juan I invade Portugal, a pedido da rainha Leonor Teles de Menezes. Portugal corria perigo de perder a sua independência para Castela, é então que o Mestre de Avis mata o Conde Andeiro – amante da rainha – e foi aclamado pelo povo como "Regedor e Defensor do reino". No dia 6 de Abril de 1385, nas Cortes de Coimbra o mestre de Avis foi proclamado então Rei de Portugal e dos Algarves e nomeia Dom Nuno Álvares Pereira Condestável, isto é, comandante supremo do exército português. Envia um embaixador a Inglaterra para obter o reconhecimento como Rei e, também para pedir auxilio militar do rei de Inglaterra e do Duque de Lencastre. Entretanto ocorrem várias batalhas entre 1383 até à Batalha de Aljubarrota, assim como, houve um cerco feroz castelhano à cidade de Lisboa que só foi interrompido por causa da Peste Negra, dizem os cronistas que morriam diariamente cerca de 200 castelhanos. A Batalha de Aljubarrota tem sido invocada ao longo dos séculos como um feito extraordinário e de grande glória. Normalmente o que se conta é que um exército português de 6.000 homens venceu um exército castelhano de 25.000, devo dizer que este número parece-me bastante exagerado, até porque, já li algumas crónicas em que os castelhanos tinham 20.000 homens e os portugueses 8.000, uma diferença de 19.000 para 12.000 parece-me bastante significativa e pode fazer toda a diferença. Seja como for, o que normalmente se conta é que Dom Nuno Álvares Pereira, que era um estudioso na arte militar, montou uma técnica denominada o “quadrado”.

Os castelhanos furaram a vanguarda, os portugueses fecharam o quadrado cercando os castelhanos que ficaram no seu interior e com a ajuda dos arqueiros ingleses que se encontravam nas alas os portugueses derrotaram os castelhanos. Esta é a versão de Fernão Lopes. Mas há uma outra versão, relatada por um dos maiores cronistas da Europa na época medieval, e que era vivo ao tempo da Batalha, o francês Jean Froissart. O local da Batalha foi estrategicamente escolhido pelo Condestável Dom Nuno Álvares Pereira, anuindo aos conselhos dos Aliados ingleses. Ao invés de darem batalha em campo aberto ficando assim em desvantagem, escolheram um local arborizado para se poderem fortificar e ganhar algum ascendente sobre o inimigo. Assim foi, escolheram o local de Aljubarrota, por que o Mosteiro de Alcobaça funcionava como praça-forte e permitia sempre um refúgio caso houvesse necessidade. Cortaram algumas árvores em redor do campo e, dispuseram-nas atravessadas para que não se pudesse cavalgar, para além disso, colocaram inúmeras armadilhas como fossos, covas-de-lobo, etc. A ladear o campo estavam os arqueiros ingleses.

A hoste castelhana que tinha vindo de Coimbra com destino a Lisboa, ia pernoitar perto do local da batalha, como eram muito numerosos a deslocação era bastante lenta e cansativa. Na hoste castelhana as opiniões dividiam-se. Os castelhanos ponderavam que, até atingirem o lugar onde estavam os portugueses e darem batalha se fazia noite, devendo por isso, repousar e esperar pelo dia seguinte porque, os portugueses não tinham por onde fugir. Mas, os franceses consideraram esse adiamento como uma cobardia e exigiram por parte do Rei de Castela que lhes dessem a honra de serem eles os primeiros a atacar. E assim foi, os franceses romperam a vanguarda, viram-se cercados, os cavalos caíam nas armadilhas, muitos morriam e, quem vinha atrás tropeçavam nos da frente, inclusivamente houve muitos franceses que morreram esmagados e não em combate. Entretanto os franceses renderam-se e ficaram na posse dos portugueses mais 1.000 prisioneiros. Estavam todos contentes, alguns começaram a negociar o resgate, cada fidalgo francês valia uma pequena fortuna, estavam todos ricos.

O Condestável enviou alguns cavaleiros dar a volta às redondezas e chegaram com a terrível noticia, que o maior contingente estava a dirigir-se para o campo de batalha e que esta não tinha acabado, aliás, ia agora começar. Por sugestão de alguns ingleses e fidalgos portugueses, decidiu-se como repressão degolar todos os prisioneiros, talvez seja essa a razão, por que em Aljubarrota houve um número tão elevado de mortos, não era costume nas batalhas medievais morrerem tanta gente numa só batalha. Os castelhanos propuseram ao Rei responderem no dia seguinte mas, irado ao ver que os seus aliados franceses tinham sido capturados avançaram para a batalha ao lusco-fusco, cansados, famintos e totalmente desmoralizados, é possível que alguns tivessem recusado lutar. Era já Sol-posto, quando muitos castelhanos começaram a debanda do campo de batalha, uns punham as vestes do avesso para não serem reconhecidos pelas populações, outros foram mortos às mãos de populares – vem desta fuga a lenda da Padeira de Aljubarrota que matou com uma pá sete castelhanos. Ainda houve um desentendimento com o Rei Dom João I de Portugal e alguns fidalgos ingleses, estes queriam dar perseguição e resgatar o Rei castelhano. Diziam eles que não tinham vindo de Inglaterra sem que pudessem apresentar ao seu monarca grandes feitos de valentia e honra. Ao que Dom João I respondeu: “Podeis dar graças a Deus por esta vitória. Quem tudo quer tudo perde…”, o Rei fez valer a sua vontade, pois, percebeu que os castelhanos ainda eram muito fortes. Os portugueses venceram os castelhanos, os ingleses venceram os franceses e, a paz ibérica foi assinada no ano de 1411 em Ayllón.

A glória portuguesa que tem ecoado ao longo dos séculos, oculta a ignomínia da carnificina perpetrada sobre os fidalgos franceses e que provocou um enorme luto em Castela e em França e, de certa maneira não honrou nem prestigiou o código dos cavaleiros e dos guerreiros daquele tempo.

Ergo fortuna, ut saepe aliás, virtutem est secuta [Tito Lívio] – Também a sorte, como muitas outras vezes, acompanhou a coragem.

Lisboa, 14 de Agosto de 2008

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